Provedora de Justiça quer que doentes com cancro recebam atestados multiusos do hospital que os diagnostica
Esta é uma das recomendações enviadas por Maria Lúcia Amaral à ministra da Saúde, Marta Temido, com o objectivo de agilizar um processo que, actualmente, alerta, está longe de cumprir os prazos legais, já que cidadãos chegam a esperar um ano por uma junta médica que devia ser marcada no prazo máximo de 60 dias.
A Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, recomendou à ministra da Saúde que os doentes com cancro possam receber o atestado médico de incapacidade multiusos (AMIM), que lhes garante um conjunto de benefícios, nomeadamente de ordem fiscal, directamente do serviço hospitalar responsável pelo diagnóstico de doença oncológica. Esta é uma das propostas enviadas a Marta Temido no final de Fevereiro, com o objectivo de agilizar a emissão do AMIM que, actualmente, não cumpre os prazos legais.
A lei estabelece o prazo de 60 dias para que seja convocada uma junta médica responsável pela avaliação do doente e emissão do respectivo AMIM, mas o prazo não está a ser cumprido, alerta Maria Lúcia Amaral, que diz que as várias queixas que lhe têm chegado sobre esta matéria, apontam, “não raras vezes”, para a marcação efectiva da junta médica “para oito ou nove meses, em alguns casos superando o ano” após a solicitação por parte do cidadão, em vez dos dois meses legalmente previstos.
Face ao que diz ser “a evidente insuficiência de meios” para que os prazos sejam cumpridos, a Provedora de Justiça recomendou três alterações à forma como os AMIM são emitidos, uma das quais diz respeito aos doentes oncológicos recém-diagnosticados. Maria Lúcia Amaral propõe a Marta Temido que, nestes casos, os doentes possam receber o atestado directamente do hospital responsável pelo diagnóstico, em vez de terem de aguardar pela realização da junta médica que, actualmente, é responsável pela emissão destes documentos. “Na verdade, […] a função actualmente realizada pela junta médica é a de mera certificação de diagnóstico feito por outrem, com a especial e relevante dimensão de aquela ser composta por especialistas de saúde pública e este último ser da responsabilidade de médico oncologista. Por outro modo dito, afigurar-se-á rara, senão mesmo inexistente, a condição de um diagnóstico de tumor maligno, feito por oncologista, ser desmentido por uma junta médica nesta conformidade”, defende a provedora na recomendação.
Só esta alteração iria eliminar “trabalho burocrático (ineficiente e ineficaz)”, realça a Provedora de Justiça, mas há outras alterações propostas no mesmo documento. Desde logo, uma maior divulgação sobre o AMIM, para evitar solicitações de pessoas cujos casos não se enquadram na sua abrangência. A outra proposta é que as actuais juntas médicas compostas por três médicos possam ser substituídas “por regra” por uma avaliação de um único médico, mantendo-se a eventualidade das decisões tripartidas para casos específicos, como recursos da decisão inicial.
Triplicar juntas médicas
A provedora defende que esta medida permitiria triplicar o agendamento de juntas médicas, sem aumentar o quadro de pessoal. E sem consequências negativas para a atribuição do AMIM, já que, no seu entender, “em termos de mérito, está por demonstrar, de modo geral, que a decisão tomada por médico singular seja sempre menos segura ou acertada do que a que resulta de reunião de junta formada por três elementos.”
Maria Lúcia Amaral salienta os transtornos que a demora no desenrolar destes processos causa aos cidadãos e dá o exemplo daqueles que podem beneficiar da prestação social de inclusão (PSI) que, actualmente, só está a ser atribuída depois da recepção pelos serviços da Segurança Social de toda a documentação necessária, incluindo o AMIM.
Os problemas no acesso a esta prestação levaram a Provedora de Justiça a enviar também à ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, um conjunto de recomendações para agilizar e tornar mais eficaz o processo.
Entre as medidas recomendadas pela provedora está uma clarificação da lei, que permita que uma decisão sobre a PSI possa ser tomada mediante a prova de que foi pedido o AMIM, em vez de aguardar pelo documento propriamente dito. Maria Lúcia Amaral sugere ainda à ministra que pondere a adopção de uma medida legislativa que assegure que uma pessoa que adquiriu ou desenvolveu uma deficiência depois dos 55 anos possa ter acesso à PSI, algo que diz ainda não ser possível, apesar de o Governo ter anunciado já no ano passado que esta prestação seria alargada a crianças e jovens a partir dos dez anos.