Homenagem no Moinho da Juventude: “A força destas mulheres fez avançar o bairro”

Cinco mulheres da associação que nasceu no bairro da Cova da Moura foram homenageadas pelo seu trabalho. Uma das fundadoras aproveitou a presença de duas governantes e falou da relação da polícia com os moradores. “Vivemos coisas horríveis.”

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Quando Vitalina Monteiro, de 56 anos, chegou à Cova da Moura não havia nem água, nem luz. Era também para mudar isso que se lutava na Associação Moinho da Juventude, instituição de solidariedade social criada no bairro da Cova da Moura, na Amadora, há mais de 30 anos.

Zulmira Lima, de 50 anos, tem duas famílias: “a família de sangue e a família do Moinho”, com muitos anos de lutas e obstáculos ultrapassados através de “camaradagem e alegria de aprender mais”. Isabel Marques, de 51 anos, entrou como voluntária, já foi da direcção, e agora trabalha na creche do bairro. Maria José Lima, também com 51 anos, era uma miúda quando começou a trabalhar para a associação, em 1982, e uma das suas memórias mais antigas é da biblioteca onde os miúdos do bairro iam requisitar livros. 

De origem belga, Godelieve Meersschaert, de 74 anos, chegou à Cova da Moura nos anos 1980 e, com o marido Eduardo Pontes, foi uma das fundadoras da associação; foi à volta do chafariz onde as mulheres iam buscar água que começaram a surgir, em 1985, as primeiras conversas sobre esta instituição que hoje é visitada por académicos e organizações não-governamentais internacionais que vêm estudar o seu modelo.

Estas são mulheres que muitas vezes trabalham de forma invisível para a sociedade, a maioria cuidando de crianças, mas o seu papel ao longo destas décadas tem sido determinante para a associação e para o bairro, sublinhou-se na homenagem que lhes foi feita esta segunda-feira a propósito do dia internacional da mulher. Todas falaram da sua relação de amor com a associação que, aliás, surgiu a partir da organização de mulheres, da luta pelo saneamento básico para os 900 moradores e da animação cultural de crianças. Mais tarde, a associação desenvolveu as acções pelos direitos de empregadas domésticas e pela criação de serviços e espaços para os seus filhos.

Na cerimónia, na sede da associação no Alto da Cova da Moura, estiveram as secretárias de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro, e para a Integração e as Migrações, Cláudia Pereira, a recém-nomeada Alta Comissária para as Migrações, Sónia Pereira, e a deputada do PS Romualda Fernandes. 

Foi essencialmente para estas responsáveis  que Godelieve Meersschaert acabou por enviar a sua mensagem: “A força destas mulheres fez avançar o bairro. A força destas mulheres é uma coisa incrível. Batalhámos tanto junto de entidades e fico contente de ver aqui quem tem possibilidade para intervir a nível das estruturas”, disse. “Porque vivemos muitas dificuldades, tínhamos as pessoas aqui com capacidades mas não tivemos o apoio que devíamos ter. Havia muita coisa que podíamos ter conseguido de outra forma se houvesse mais apoio de quem está nos pelouros a nível nacional.”

Criticas à polícia

Godelieve aproveitou para deixar um pedido: “Faz favor, falem com estas pessoas, elas têm muita coisa para dizer sobre o que está a acontecer e não está correcto.” E enumerou o que está errado, nomeadamente na relação da polícia com os moradores, que acusou de usarem a violência: “Vivemos coisas horríveis.” A fundadora criticou duramente o arquivamento de queixas de moradores do bairro em 2013 que foram feitas alegando abuso policial e recordou o caso da esquadra de Alfragide, que levou a tribunal 17 agentes, oito deles condenados. E recordou o projecto de polícia de proximidade liderado pelo comandante Pereira, que foi entretanto “boicotado”, e no qual moradores e polícia jogavam à bola.

Cláudia Pereira, secretária de Estado das Migrações, respondeu-lhe directamente, dizendo que a sua porta estava aberta para ser contactada, incluindo em situações que considerem de injustiça. O projecto do Moinho da Juventude foi, de resto, elogiado por todas as dirigentes. Romualda Fernandes referiu mesmo que foi o trabalho de associações como esta que permitiu que hoje estivessem três deputadas negras no Parlamento — além de si, Beatriz Dias, do Bloco de Esquerda, e a agora deputada independente Joacine Katar Moreira.  

Godelieve Meersschaer também foi elogiada várias vezes na sessão; Zulmira Lima lembrou que tanto ela como o marido são duas pessoas que “souberam olhar com olhos de ver para esta comunidade e perceber que havia muitas coisas que eram importantes valorizar”. “Quando cheguei as pessoas tinham vergonha de dizer que moravam aqui — eu estudava na escola D. João V e ia dar uma volta à Damaia porque tinha vergonha. Através do Moinho aprendemos a valorizar o bairro e as pessoas.”

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