Morreu Jack Welch, o gestor que sonhou com as empresas sem fronteiras

Antigo presidente da General Electrics tinha 84 anos. Fica para a história como alguém que mudou, para o bem e para o mal, a gestão como disciplina e a liderança empresarial como tarefa.

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Reuters/Lucas Jackson

Chamava-se John Francis Welch Jr, mas todos o conheciam como Jack Welch. Durante os 20 anos em que esteve à frente da General Electric tornou-se o gestor preferido da imprensa económica, amigo de todos os presidentes dos EUA, ídolo de gerações de gestores que viam nele o CEO do futuro, o líder capaz de pegar numa empresa e transformá-la de cima a baixo, criando valor. Morreu na noite de domingo, 1 de Março, aos 84 anos. A causa da morte foi uma falha renal, segundo a viúva, Suzy Welch.

Jack casou três vezes com mulheres mas apenas uma vez com uma empresa. Foi ele que fez da GE um gigante industrial que, hoje, está reduzida a um “anão”. Dizem que o descalabro da GE é tão obra dele quanto o sucesso que o precedeu. Como acontece com todas as grandes personalidades, o legado de Welch continuará a ser objecto de discussão.

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O que ninguém poderá negar é que o poder político dos EUA, o mundo corporate da sociedade ocidental, as escolas de negócio, a imprensa especializada em todo o mundo apaixonaram-se por Jack Welch muito rapidamente. E alimentaram esse sentimento muito depois de Welch se ter retirado com a maior compensação financeira da história.

Não foi um capricho dos accionistas da GE, quando Welch saiu da dupla presidência (CEO e chairman). Afinal, quando Welch assumiu o cargo, em 1981, a GE valia na bolsa 14 mil milhões de dólares. Ronald Reagan tinha acabado de se instalar na Casa Branca, como Presidente.

Vinte anos depois, quando se reformou, em 2001, a mesma empresa valia 29 vezes mais, 410 mil milhões. Foi, por isso, recompensado com elogioso que ainda hoje se ouvem e uma quantia em dinheiro que pulverizou qualquer noção de limite: 417 milhões de dólares.

Certo dia, a Fortune chamou-lhe então “o gestor do século”, como se isso justificasse as mãos largas da GE, no prémio ao líder que todos queriam ser, que todos queriam imitar, seguindo-lhe as pisadas, na filosofia de gerir e de liderar. Nem o mais circunspecto Financial Times escapava aos encómios desmedidos: a GE foi eleita “empresa mais respeitada do mundo” durante três anos seguidos, e o homem que a liderou (entre 1981 e 2001) era o principal responsável.

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A verdade é que nessa altura ninguém imaginava que Welch também pode ter sido o “coveiro” do gigante que, sem dúvida, ajudou a construir. Isto porque muito do crescimento da empresa ficou a dever-se à entrada da GE noutros negócios que não estavam na sua origem. Durante anos, quem sustentou o crescimento bolsista da GE foi a expansão dos serviços financeiros.

Hoje, quando a GE está reduzida a avaliação bolsista de 94 mil milhões (um quarto do que valia há 20 anos), já há quem veja também um lado “mau” no legado de Welch. Atribuem-lhe a responsabilidade de ter introduzido a diversificação de investimento como gestão do risco, a ambição desmedida pela construção de um conglomerado que não podia fazer tudo bem, abrindo por isso brechas no foco, na cultura, na filosofia de gestão que não podia tratar com a mesma receita e sucesso áreas tão díspares como a geração de electricidade, a computação, os media (televisão e cinema), a aeronáutica ou o imobiliário. A compra da RCA, que lhe permitiu controlar activos como a Universal e a NBC, revelou-se um desastre.

Seja qual for o grau de culpa de Welch, que se pode queixar sobretudo de muitas decisões erradas dos sucessores dele, há algo que não lhe podem tirar: a capacidade de transformar a noção do que é um líder de uma empresa. “O que eu queria fazer dentro da GE era tocar em cada pessoa. Queria estar na pele de cada trabalhador. Esforcei-me muito por fazer essa ligação, para que eles se preocupassem [com a empresa] tanto quanto nós nos preocupávamos”, diria Welch, numa entrevista dada em 2002, o ano seguinte ao da reforma.

Se fosse possível “tocar cada trabalhador”, Welch teria facilitado a vida a ele mesmo porque foi sob a gestão dele que o número de trabalhadores foi drasticamente reduzido. Ao fim do primeiro ano de mandato, como se conta no livro Control Your Destiny or Someone Else Will, a equipa de Welch tinha despedido 35 mil pessoas, cerca de 9% da força laboral que a GE tinha em 1980. Com ele, os 400 mil funcionários passaram a ser 200 mil, ao fim de poucos anos.

A morte dos silos

A “revolução” na força laboral, que era de 400 mil pessoas na altura, atingiu todos os patamares, mas Welch sabia que tinha de mexer na estrutura “burocrática”, nos silos. É nesta abordagem que Welch se distingue. Hoje, a ideia de silo para uma empresa nova é inconcebível. Mas há 40 anos, o que era impensável era querer quebrar com essa forma de organização que, na óptica de Welch, tornava a máquina pesada de mais sobretudo no processo de decisão.

Por isso, ainda hoje se pensa no legado de Welch quando se analisa uma coisa tão básica quanto a organização e a hierarquia. Welch foi um dos que ajudaram, e um dos primeiros, a interrogar a gestão dos pequenos poderes.

Embora fosse implacável com os objectivos, também foi alguém preocupado com pessoas. Não podia ser de outra forma, até porque o talento era algo que distinguia a GE no mercado. Afinal, era uma empresa que tinha nos seus quadros dois vencedores do Prémio Nobel.

A bomba de neutrões

Politicamente, Welch estava ao lado do Partido Republicano. Apoiou Donald Trump, o actual Presidente dos EUA, a quem atribuem a autoria do maior corte de impostos a beneficiar empresas e ricos. Trump não perdeu tempo a elogiar Welch neste momento de despedida. “Não havia líder empresarial como “neutron” Jack. Foi meu amigo e meu apoiante. Fizemos negócios maravilhosos em conjunto. Não será esquecido”, escreveu o Presidente norte-americano, no Twitter.

A referência à alcunha “neutron” tinha a ver com uma das estratégias de Welch: não poderia estar num mercado em que não pudesse ser primeiro ou segundo. O que significava que todas as áreas de negócio que não garantissem uma posição cimeira estariam, à partida, condenadas. Tal como uma “bomba de neutrões”, que matava sem destruir, os 10% de trabalhadores com pior rendimento eram despedidos pelos gestores; e ele despedia os 10% de gestores com pior resultado. Pregou pelos corredores, pelos auditórios, pelos jornais, as características necessárias no mundo do trabalho, como a capacidade de se adaptar. Hoje ninguém ousaria dizer o contrário. Mas quando ele o disse, estava sozinho. E o mundo do trabalho ainda era o de um emprego para a vida. 

Welch nasceu em 1935, na cidade de Salem, no estado norte-americano do Massachusetts. Era descendente de irlandeses, católicos, filho de um motorista e de uma doméstica. Licenciou-se, fez mestrado e doutoramento sempre na mesma área, engenharia química. Foi como engenheiro químico que entrou na GE. Quando saiu era um ídolo no mundo da gestão, autor de livros e defensor de um formato de empresa e de uma cultura organizacional que fica para a história como a empresa mais aberta, em que as funções e divisões tradicionais são questionadas e eliminadas e as respostas podem vir de qualquer trabalhador e de qualquer área. Chamavam-lhe a empresa "sem fronteiras” (boundaryless).

"O nosso sonho para os anos 90 é uma empresa sem fronteiras”, escreveu Welch num relatório e contas dessa década. Jack Welch parecia ele mesmo não ter limites – mas tinha, e a morte foi a última fronteira em que parou.

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