Músicos em Portugal lançam associação para retirar música são-tomense dos bairros periféricos

O guitarrista e compositor Tonecas Prazeres lidera a comissão que quer dar mais visibilidade à música de São Tomé e Príncipe.

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Grupo de mulheres cantadeiras junto à Ribeira Afonso, no distrito de Cantagalo Nuno Ferreira Santos

Músicos de São Tomé e Príncipe a viver em Portugal estão a preparar o lançamento de uma associação que possa dar um impulso cultural à comunidade e retirar a música são-tomense dos bairros periféricos. A ideia surgiu após uma reunião com o embaixador de São Tomé e Príncipe em Lisboa, António Quintas, em que participaram cerca de três dezenas de músicos, intérpretes e cantores, segundo explicou à agência Lusa Tonecas Prazeres, que lidera uma comissão de quatro pessoas que vai preparar o lançamento da associação.

Em Portugal, “ouve-se pouca música são-tomense, só se ouve nos bairros periféricos onde está a comunidade. Dificilmente há espectáculos de um músico são-tomense em salas de relevo”, considerou. Para Tonecas Prazeres, na origem deste estado de coisas estão “a falta de produção discográfica de qualidade, de formação e de encaminhamento e agenciamento dos artistas. Quase não se ouve música são-tomense de raiz”.

“Num ano, há 20 cantores cabo-verdianos que lançam [discos], 20 angolanos, dez moçambicanos e dois são-tomenses”, adiantou, notando que, por causa disso, há também menos música são-tomense a passar nas rádios. “A radio vive muito do prime e se as coisas não são novas, passam menos”, acrescentou, sublinhando, por outro lado, os investimentos feitos por Angola e Cabo Verde na promoção do semba e da morna, respectivamente.

Segundo o músico, “Angola fez, desde o início dos anos 2000, um esforço e um investimento enormes para levantar o semba que se ouve agora”. E a morna foi classificada, em Dezembro, como Património Imaterial da UNESCO. Um esforço que Tonecas Prazeres gostaria de ver também da parte de São Tomé e Príncipe, nomeadamente em relação à rumba, o ritmo que considera melhor identificar musicalmente o país.

Para já, há a ideia de fazer uma noite de rumba numa sala emblemática em Lisboa, mas os constrangimentos financeiros e técnicos podem tornar-se um obstáculo ao projecto. “Não temos uma produtora que possa suportar a preparação da gala, a embaixada [de São Tomé e Príncipe] também não tem condições e, por isso, acabamos por ficar sempre na margem das coisas mais baratas, nos bairros onde está a comunidade e muitas vezes [com espectáculos] de borla”, disse.

Tonecas Prazeres sustentou que há ainda “um conjunto de coisas para serem trabalhadas”, admitindo que “vai demorar algum tempo” até a música são-tomense se afirmar, mas acredita que a futura associação de músicos são-tomenses pode ser “um primeiro passo” para promover a divulgação de estilos tipicamente são-tomenses como o socopé, rumba, a ússua ou a dêxa. “Se estivermos bem organizados, uma associação pode criar vários eventos, pode pedir apoios para cumprir com um plano de actividades, que pode passar pela gravação de músicas de alguns artistas ou pela criação de um espaço para dar aulas de música”, exemplificou.

De momento, o músico apontou como prioritária a criação de uma base de dados de músicos são-tomenses em Portugal, onde, segundo disse, mais de 80 por cento não são profissionais e têm outro emprego além da música.

Nascido na ilha do Príncipe, em 1963, e a viver, desde 1984, em Portugal, para onde se mudou para estudar engenharia civil, Tonecas Prazeres é um dos músicos são-tomenses mais reconhecidos em Portugal. O compositor, cantor e guitarrista tem actualmente em curso um trabalho de “resgate” nos seus concertos de alguns “cotas” da música são-tomense, pessoas que fizeram grande sucesso no passado, juntando-os com talentos que estão agora a despontar.

“Para que essa geração, que já está na fronteira da reforma, dê o último suspiro da sua criatividade e deixe o seu legado”, disse. Como exemplo, indicou o concerto em que participou com Anastácia Carvalho, que integrou o elenco artístico de Madonna, e com o músico e escritor Felício Mendes, que apelidou de “seu maestro”. “São artistas de outra geração que fizeram grandes trabalhos na música de São Tomé e Príncipe e que era preciso aparecerem também para ajudar a combater o tipo de música que a juventude faz hoje, música de ninguém e sem a identidade do país”, concluiu.