Um tribunal não é um salão de festas
Este caso judicial e moralmente duvidoso carece de esclarecimentos, quer do actual presidente da Relação de Lisboa, Orlando Nascimento, quer do Conselho Superior de Magistratura, ao qual caberá neste caso sancionar ou não Vaz das Neves.
A justiça pública deve partilhar os mesmos espaços com a justiça privada? Os processos judiciais devem partilhar o mesmo espaço com os processos arbitrais? A resposta é duplamente não, e não oferece grandes dúvidas aos presidentes do Tribunal Supremo de Justiça, dos tribunais da Relação de Évora, Porto ou Guimarães e da Associação Sindical de Juízes Portugueses. Porque é que então um ex-presidente da Relação de Lisboa, a convite do seu sucessor, utiliza aquelas instalações para serviços de arbitragem extrajudiciais, pelos quais foi remunerado em 280 mil euros?
Segunda questão: pode um juiz jubilado, que é o caso de Luís Vaz das Neves, arguido no âmbito da Operação Lex, por suspeitas de corrupção e abuso de poder, juntamente com outros juízes e um funcionário judicial do mesmo tribunal, auferir de remuneração extra por actividades fora da magistratura, sem renunciar à jubilação? O Conselho Superior de Magistratura também entende que não.
Não se percebe, pois, como é que pode ser aceitável qualquer excepção de tratamento. Este caso judicial e moralmente duvidoso carece de esclarecimentos, quer do actual presidente da Relação de Lisboa, Orlando Nascimento, quer do Conselho Superior de Magistratura, ao qual caberá neste caso sancionar ou não Vaz das Neves, que mantém todos os direitos e deveres dos juízes por ter optado pela jubilação e não pela aposentação.
Orlando Nascimento não viu impedimentos na escolha do seu antecessor e na cedência gratuita das instalações do tribunal a que preside, quando o mais frequente é que os processos de arbitragem sejam decididos em locais mais prosaicos, como são os centros de arbitragem. Que se conheça, houve uma excepção, plausível, diga-se: a arbitragem relacionada com as indemnizações do Estado às vítimas dos incêndios de Pedrógão decorreu na Relação de Coimbra. No caso de Lisboa, a ausência de qualquer interesse público no litígio entre o Altis Park e o fundo imobiliário Explorer recomendaria outra opção mais ajuizada.
O que não pode acontecer é que este caso fique enredado numa indiferença geral, como se não tivesse acontecido, servindo para minar a credibilidade das instituições judiciais. O precedente — e nem sabemos se este julgamento foi o único do género naquele tribunal — está aberto. E não abona nada a favor de uma justiça transparente.