Juízes jubilados não podem ganhar dinheiro extra, assume Conselho Superior da Magistratura
Ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Luís Vaz das Neves, recebeu elevadas somas por ter dirigido arbitragens judiciais.
Os juízes jubilados não podem ganhar dinheiro extra por actividades profissionais que possam desenvolver fora da magistratura – tal como sucede com os seus colegas no activo.
Esta é a posição assumida pelo Conselho Superior da Magistratura, que surge depois de se ter sabido que o ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Luís Vaz das Neves, tem ganho algumas centenas de milhares de euros a arbitrar conflitos extrajudiciais desde que se jubilou, em 2016. O magistrado foi recentemente constituído arguido na Operação Lex, no centro da qual está o juiz Rui Rangel, do mesmo tribunal, por suspeitas de viciação do sorteio dos processos judiciais. A regra é que os processos sejam entregues por sorteio aos juízes, para garantir a idoneidade do funcionamento do sistema, mas existem situações em que a lei permite que sejam entregues em mão.
Como o PÚBLICO noticiou, em meados de 2018 Vaz das Neves criou uma empresa unipessoal, a Arbitráriobjetivo, destinada a prestar serviços de arbitragem extrajudicial, e que só nesse ano facturou 190 mil euros. No ano passado usou o salão nobre do Tribunal da Relação de Lisboa para uma arbitragem que lhe rendeu mais 280 mil euros, apesar de formalmente já ali não trabalhar.
Confrontado com o facto de o estatuto dos magistrados judiciais ser claro no que diz respeito às incompatibilidades e determinar que os juízes em exercício de funções ou em situação de jubilação não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada de natureza profissional e remunerada, o ex-presidente da Relação de Lisboa defendeu que esta questão não se colocava no caso da arbitragem. Os estatutos também determinam que, mesmo no caso de actividades compatíveis e não remuneradas, os juízes devem pedir autorização para tal ao Conselho Superior da Magistratura – algo que este magistrado não fez.
Quando um magistrado passa à jubilação – que pode pedir a partir dos 66 anos – deixa de ter a obrigação de se apresentar diariamente ao serviço, embora possa ser chamado a regressar ao serviço a qualquer momento. Mantém todos os direitos e deveres dos juízes que permanecem no activo, ao contrário do que sucede com os seus colegas que optam pela aposentação. Manter essa disponibilidade para o serviço vale-lhe 775 euros líquidos mensais, que acrescem ao valor da reforma.
Ao exercer uma actividade remunerada, Vaz das Neves sujeita-se a sofrer uma punição disciplinar. O desembargador explicou que foi indicado pelo seu sucessor para algumas das arbitragens que fez – a lei prevê que os presidentes destes tribunais possam nomear juristas para dirimir estes litígios – e que ele próprio atribuiu arbitragens a outros juízes jubilados quando estava à frente da Relação de Lisboa.
O Conselho Superior da Magistratura vem agora confirmar que não é possível exercer arbitragem remunerada sem renunciar à jubilação, embora não revele por enquanto que medidas irá tomar em relação a Vaz das Neves e outros juízes que eventualmente estejam em situação semelhante.