A lei que está a bloquear o Montijo
Decreto-lei foi elaborado pelo governo socialista de José Sócrates para colocar um ponto de ordem na “proliferação por todo o país das mais diversas infra-estruturas aeroportuárias”.
Que lei está em causa no aeroporto do Montijo?
Em 2007, o Governo PS, liderado por José Sócrates, publicou um decreto-lei (n.º 186/2007, de 10 de Maio) assinado por vários ministros e secretários de Estado, como Paulo Campos, responsável pelas obras públicas, cujo objectivo era disciplinar “a construção, ampliação ou modificação e a certificação e exploração das infra-estruturas aeroportuárias”.
Isto porque, dizia o Governo, se tinha verificado “a proliferação por todo o país das mais diversas infra-estruturas aeroportuárias”. Em 2010, e ainda pela mão do PS, a lei foi alterada para “simplificar procedimentos” (Decreto-lei n.º 55/2010, de 31 de Maio).
Passados 13 anos da sua génese, e sem que se conseguisse prever na altura, esse diploma está agora no centro do impasse que se verifica na construção do aeroporto do Montijo, e no meio de um debate político.
O que está em falta?
Basicamente, falta ter o acordo de todos os municípios directamente envolvidos na questão do Montijo, com o da Moita e o do Seixal – ambos presididos por autarcas do PCP – a assumirem-se contra o projecto.
Na Declaração de Impacte Ambiental (DIA) que incide sobre o novo aeroporto, o regulador da aviação civil, a ANAC, sublinhou que, “em matéria de licenciamento”, a ANA (empresa do grupo francês Vinci que gere os aeroportos desde 2012, após a privatização) ainda não tinha “dado cumprimento ao definido na legislação aplicável”.
A questão prende-se com o artigo 5 da lei, sobre a “apreciação prévia de viabilidade” ligada a uma “construção, ampliação ou modificação” numa infra-estrutura aeroportuária. É necessário, diz a lei no ponto dois do artigo, um requerimento apresentado pelo proponente (no caso, a ANA), que inclua sete elementos, um dos quais é o “parecer favorável de todas as câmaras municipais dos concelhos potencialmente afectados, quer por superfícies de desobstrução [do espaço aéreo], quer por razões ambientais”.
Os dois municípios que se pronunciam contra o Montijo fazem-no ao abrigo das razões ambientais, com destaque para a Moita, faltando saber se haverá depois outros ao abrigo das razões ligadas às superfícies de desobstrução – a definir, segundo se percebe, pela NAV e depois analisado pela ANAC.
A lei é bem explícita quando diz, no ponto três, que da falta do parecer favorável “de todas as câmaras municipais dos concelhos potencialmente afectados” resulta um “indeferimento liminar”, ou seja, a recusa do requerimento por parte do regulador.
De acordo com a notícia da TSF, a ANA já tinha afirmado à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) que a certificação do Montijo iria seguir os requisitos legais aplicáveis e que, sendo o novo aeroporto “um projecto de natureza e dimensão sem precedentes em Portugal”, estava em análise a necessidade de criar um enquadramento regulatório específico.
E se não houver consenso? O que pode fazer o Governo?
Na falta de consenso com as autarquias em causa – o que pode ainda acontecer –, a questão pode ser resolvida com a alteração do diploma, tal como o ministro das Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, já defendeu que devia ser feito (“é absolutamente incompreensível que fosse o presidente da Câmara da Moita a negar” a construção do novo aeroporto, afirmou).
Sendo um decreto-lei o tema resolve-se em Conselho de Ministros, mas um partido, com o PCP na dianteira, pode pedir a apreciação parlamentar do diploma. Aqui, o Governo precisaria do apoio do PSD, nem que seja através da abstenção. Isto se o assunto for pacífico dentro do próprio PS.
Há, depois, uma questão: no último ponto do artigo 5 da lei em causa refere-se que “da decisão do INAC cabe recurso tutelar para o membro do Governo responsável pelo sector da aviação civil”.
Ora, numa leitura imediata isso quererá dizer que um requerimento indeferido pelo regulador poderia, se o requerente quisesse recorrer da decisão, acabar nas mãos do ministro. Acontece é que a lei foi revista pela última vez em 2010, e em 2014 o então Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC) passou a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC).
A alteração não foi só de nome, já que implicou a adaptação ao regime estabelecido na lei-quadro das entidades reguladoras, com mais autonomia e poderes de supervisão.
Diz esta lei-quadro que “as entidades reguladoras são independentes no exercício das suas funções e não se encontram sujeitas a superintendência ou tutela governamental”. Nem a ANAC nem o ministério responderam ao PÚBLICO, mas de acordo com as informações recolhidas dificilmente este poder específico de decisão poderia ser hoje utilizado pelo Governo. A ANA afirmou apenas que “não tem nada a acrescentar às declarações já feitas anteriormente”.