Regina Guimarães lança manifesto contra censura e assédio laboral aos artistas
Declaração surge após a demissão da escritora e dramaturga do Conselho Municipal de Cultura do Porto, e destina-se ao Presidente da República, ao primeiro-ministro e à ministra da Cultura. Em pano de fundo está ainda o acto de censura de que foi alvo um texto da escritora no Teatro Municipal do Porto.
Invocando expressamente no título, Declaração, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a escritora, dramaturga e professora Regina Guimarães (n. Porto, 1957) lançou no fim-de-semana um manifesto contra a censura, o assédio laboral e o controlo autoritário do trabalho dos criadores e artistas financiados por fundos públicos.
Ao final da tarde desta quarta-feira, a Declaração estava já assinada por mais de três centenas de nomes maioritariamente do mundo das artes do palco, mas também das artes visuais, do cinema e audiovisual, das letras, da música e ainda da política. Encabeçada pelo poema de Sophia de Mello Breyner Andresen Pranto pelo dia de hoje, a declaração destina-se ao Presidente da República, ao primeiro-ministro e à ministra da Cultura.
Os signatários também se comprometem a não dar “cobertura”, através do “silêncio” ou da indiferença, a “modos de contratação que incluam exigências de obediência cega e sigilo coagido"; “posturas e procedimentos, explícitos ou ocultos, de controlo autoritário dos criadores e dos processos de criação viabilizados por fundos públicos, que emanem de responsáveis pela política cultural"; e ainda “alterações notórias da civilidade no trato e da cordialidade devida aos criadores”.
Em nenhuma parte do texto há qualquer referência ao recente caso que envolveu, no início de Fevereiro, o Teatro Municipal do Porto (TMP) e o seu director Tiago Guedes, acusados de censurar um texto que Regina Guimarães escreveu para o programa do espectáculo Turismo. Esta produção d'A Turma, com texto e encenação de Tiago Correia, subiu ao palco do Teatro Campo Alegre nos dias 31 de Janeiro e 1 de Fevereiro.
Na sequência da polémica, Regina Guimarães acabaria por demitir-se do Conselho Municipal de Cultura do Porto, lamentando o facto de este órgão consultivo não valorizar a discussão de “temas tão graves como a censura ou a liberdade de criação artística”.
Entre os subscritores da Declaração – que, logo a seguir a Regina Guimarães, primeira signatária, surge assinada por Sara Barros Leitão, actriz que denunciou outros casos de “censura e de abuso de poder” no TMP –, encontram-se outros nomes do teatro e das artes cénicas, como os actores São José Lapa, Maria João Luís, Manuel Tur, Raquel André, Jorge Mota e Mário Moutinho, os encenadores Jorge Silva Melo, Nuno Carinhas, Roberto Merino e Tiago Correia, cineastas e críticos como Margarida Gil, Saguenail, Rui Simões e António Roma Torres, e figuras da política, como os bloquistas José Soeiro e João Teixeira Lopes.
Entretanto, esta segunda-feira, duas outras integrantes do Conselho Municipal de Cultura pediram a demissão dos seus cargos: Carla Miranda, actriz e deputada socialista na Assembleia da República, e Vânia Rodrigues, gestora cultural.
Numa carta dirigida a Rui Moreira (que além da presidência da autarquia tutela também o pelouro da Cultura), a que a Lusa teve acesso, Carla Miranda e Vânia Rodrigues criticam a actuação daquele órgão nos casos do Coliseu e da censura no TMP, e explicam que a decisão de abandonarem o conselho “foi-se insinuando desde as primeiras reuniões, mas acumulou-se de forma mais clara na última reunião do Conselho, a segunda que serviu de debate ao Coliseu” – e no qual o Conselho Municipal de Cultura aprovou o modelo proposto pela autarquia de concessionar a emblemática casa de espectáculos a privados, para que estes assegurem as necessárias obras de reabilitação.
“A Câmara falha se não considera importante provocar este debate [sobre a censura no TMP] no seio do Conselho. O Coliseu é extremamente importante para a cidade, mas não é menos importante que exista um espaço de debate onde naturalmente seja possível discutir de forma aberta e esclarecida os acontecimentos que perturbam a vida cultural da cidade. Não é possível para nós continuar num Conselho que parece servir para validar de forma subjetiva e muito ligeira o que se vai fazendo na cidade e não é palco de discussão estratégica fundamentada em documentos planificadores”, escreveram.