O Meu Sangue é uma série para partilhar (e mostrar) histórias sobre o período
Na mini-série documental da RTP Play, Catarina “Tota” Alves pede a pessoas com útero que lhe falem sobre o período. E depois filma-o. O Meu Sangue é vermelho, não se esconde e estreia-se a 4 de Março.
A câmara aproxima-se pelas costas de uma mulher deitada em posição fetal, a cama e as cuecas brancas manchadas de sangue vermelho vivo. O plano que abre o trailer da mini-série documental O Meu Sangue faz lembrar a célebre fotografia da poeta feminista Rupi Kaur, censurada duas vezes pelo Instagram, em 2015, por “não seguir as regras da comunidade”.
Provocadora para alguns, a série de fotografias da "instapoeta" foi um dos “estímulos” recentes para Catarina “Tota” Alves, 30 anos, criar a série que co-realiza com Victor Ferreira — e cujo trailer esta terça-feira, 25 de Fevereiro. “Foram a prova que o período ainda é tabu, mas acho que não são precisas grandes provas porque toda a gente sabe disso. A partir do momento em que temos de segredar a alguém para pedir um penso higiénico, isso é prova de que ainda é tabu.”
Tota deixou de segredar e, mais do que falar sobre a menstruação, começou a mostrá-la “nas suas várias formas de existir no quotidiano das pessoas com útero”. Independentemente do quão sangrenta (ou não) seja. Na série de três episódios com estreia marcada para 4 de Março, na RTP Play, o sangue escorre pelas pernas, forma aguarelas na cerâmica da banheira e da sanita, enche um copo menstrual, mancha as cuecas, os lençóis, o colchão e depois limpa-se com água fria. Tudo sem desviar a câmara de filmar.
“Aquilo que eu achei interessante era dar-lhe protagonismo”, assume. Não para chocar, ou por ser gore, como ouviu comentar, mas para “normalizar”. “Sempre deixei muito claro que queria filmar o sangue menstrual. Filmá-lo enquanto sangue verdadeiro”, em oposição ao eufemístico gel azul usado nos anúncios publicitários a produtos de higiene. “Se estamos a falar da menstruação, porque é que não vemos o próprio sangue, quando a televisão está cheia dele?”, pergunta de volta, quando questionam sobre a necessidade de tornar visível o que, normalmente, é escondido.
No Verão passado, um anúncio que mostrava as verdadeiras cores do período pela primeira vez na televisão australiana recebeu 600 queixas. O órgão que supervisiona a publicidade no país decidiu que, “embora alguns membros da comunidade preferissem não ver fluidos corporais”, a publicidade não passava de “uma reconstituição rigorosa de uma ocorrência física natural”. E, por isso, o sangue continuaria vermelho.
Também no ano passado, o período saltou para os teclados e o Period. End of Sentence, ganhou o Óscar de Melhor Curta-Metragem Documental. Passa-se na Índia, onde estar menstruada pode ser o fim do acesso à educação ou ao trabalho e, consequentemente, à independência financeira. Esta não será a realidade para a maior parte da sociedade portuguesa e a pobreza no período, que a realizadora reconhece, não é tema central em O Meu Sangue. “Acho que é paternalista e até redutor de outras culturas estarmos numa permanente comparação de como nos outros países é pior do que aqui, quando em Portugal existem muitos tabus ainda”, defende. “Às vezes, desviarmos o assunto a comparações externas acaba por ser um entrave ao combatermos os tabus que vivemos diariamente”.
Muitas das histórias que ouvimos contar, todas na primeira pessoa, surgiram de uma open call que a estudante de argumento em Lisboa lançou no Facebook, depois de propor a série à produtora de cinema Videolotion. Numa publicação, depois de outras onde falava sobre experiências pessoais relacionadas com a menstruação, disse andar à procura de pessoas que lhe falassem sobre o primeiro período (chamado menarca), dores menstruais, experiências sexuais enquanto menstruavam, situações em que se sentiram envergonhadas ou pouco informadas, métodos para conter o sangue.
Procurou pessoas com diferentes idades, géneros, sexualidades e percursos. Encontrou-as em Lisboa, Porto, Celorico da Beira, Aveiro, “um pouco por todo o Portugal”. Era imperativo mostrar esta diversidade, desde uma mulher cega “que foi descobrindo o corpo de uma maneira totalmente diferente” da dela, a uma mulher num meio rural que nunca tinha ouvido falar na menstruação até ver sangue nas cuecas, uma jovem que fala sobre endometriose no Instagram ou um jovem que até há pouco tempo tinha o período, era imperativo. “Embora todas tenhamos o período, todas temos experiências diferentes”, resume. Partilhá-las, sem sussurrar, acredita, é “enriquecedor” para todos.