Sr. Google
Quando eu era puto, na idade dos porquês, e não parava de os “melgar”, quando estavam ambos ocupadíssimos com os seus trabalhos importantes e com questões que não lembram a ninguém, logo me encaminhavam para um ecrã. “Pergunta ao Sr. Google, querido.”
Nasci na madrugada de 1 de Janeiro de 2001, mesmo na entrada do século XXI e do terceiro milénio. Costumo dizer na brincadeira que a minha mãe me pariu através da arcada de uma nova era. Não sei como era antes, tirando aquilo que vejo nos filmes e assim. Mas gosto do meu tempo, gosto das coisas deste tempo. Não sou nada saudosista. E não me levem a mal, mas as lojas de velharias tresandam a mofo. Aposto que nunca sentiram num computador o cheiro a naftalina. A ferrugem talvez, mas a ferrugem tem um cheiro fixe.
É verdade que prefiro o novo, a estrear, e que tenho desinteresse pelo passado. Há quem diga que é porque ainda sou muito jovem, mas acredito que vou ser sempre assim — à procura da novidade. Tenho vivido colado ao meu telemóvel (já tive vários; em média, um novo de dois em dois anos) e nem consigo imaginar como é que seria viver sem o Sr. Google, por exemplo. Desde pequeno que lhe chamo assim – na realidade, foram os meus pais que o baptizaram.
Quando eu era puto, na idade dos porquês, e não parava de os “melgar”, quando estavam ambos ocupadíssimos com os seus trabalhos importantes e com questões que não lembram a ninguém, logo me encaminhavam para um ecrã. “Pergunta ao Sr. Google, querido.” E eu perguntava, claro. E as respostas eram sempre tão extensas e detalhadas, algumas contraditórias, que por vezes ficava na mesma ou ainda mais confuso. As perguntas que eu fazia (e ainda faço) começavam sempre por “como”. Por exemplo, “como sacar cavalinhos na bicicleta?”. E logo me apareciam dezenas de textos e de vídeos. Segundo o Sr. Google, tratava-se de uma manobra perigosa. Devia puxar-se o guiador bem para cima e colocar o peso na parte de trás da bicicleta. E foi o que eu fiz. Bati com a cabeça no chão de tijoleira do terraço. Magoei-me a sério na nuca. Como não estava mais ninguém em casa e eu não sabia o que fazer, voltei a perguntar ao Sr. Google. “O que fazer quando se bate com a nuca?” Dezenas de instruções. Apesar de me doer a cabeça, o Sr. Google dava-me algum conforto. Explicou-me que tinha de pôr gelo e, sobretudo, que não podia adormecer. Se ficasse maldisposto ou tonto, devia então dirigir-me ao médico. Não foi necessário, correu tudo bem. Tirando o galo que permaneceu na nuca por uns três ou quatro dias. Portanto, o Sr. Google cumpriu bem o seu trabalho. Tal qual um pai, ensinou-me a fazer cavalinhos e a cuidar de mim quando a coisa correu mal.
No outro dia, deparei-me com uma notícia que me deixou apreensivo. Ao que parece, uns pais na Indonésia decidiram baptizar o filho com o nome Google. Segundo a notícia, a mãe foi contra a ideia, mas o pai do bebé acabou por convencê-la. Nas redes sociais, o casal foi bastante acusado de ter dado aquele nome à criança na esperança de serem favorecidos pela empresa homónima. Coisa que a mãe desmentia veementemente, dizendo que apenas foram congratulados com uma t-shirt da marca, no tamanho de bebé. Confesso que o que mais me chocou nesta notícia foi o facto de atribuírem este nome a um filho. Para mim, o Google tinha sido sempre pai ou mãe, alguém mais velho e sábio. E, de repente, senti-me ultrapassado, senti que aquilo podia ser sinal de uma nova geração, onde o Sr. Google deixará de ser pai para passar a ser filho. Pensei também que talvez signifique que o Google em breve se tornará obsoleto, e que outra nova ferramenta, mais surpreendente e admirável, poderá surgir. Isto animou-me. Ao mesmo tempo, tive pena do escárnio que o pequeno Google da Indonésia virá a sofrer, assim que o motor de busca se tornar obra do passado. Seria o mesmo que, hoje, chamar a alguém Locomotiva.