Dê-se um refúgio, não um inferno

A Grécia já não é mais um porto de esperança. E Moria é uma ilha governada pela desumanidade.

As condições degradantes nos campos da Grécia já são vastamente conhecidas. Em Moria, num campo que tem uma capacidade máxima de três mil pessoas, (sobre)vivem 19 mil requerentes que fogem para a Europa na expectativa de encontrar a dignidade que lhes foi retirada e os direitos que não lhes foram garantidos.

A Grécia já não é mais um porto de esperança. Já não é a porta para uma segunda oportunidade. É um muro que nos impede de ver e de ouvir as histórias que as pessoas trazem e o desespero que as acompanha. Milhares de pessoas aguardam uma resposta solidária e rápida da Europa, que não acontece, vivendo num clima de tensão e incerteza criada pela demora e inércia dos restantes Estados-membros.

Moria é uma ilha governada pela desumanidade. Nada é certo, nem mesmo a comida ou a água. Perdem-se vidas em desacatos porque alguém passou à frente numa fila para ir à casa de banho, tal é a tensão vivida. As mulheres vão muitas vezes em grupos para terem alguma segurança ou refugiam-se na própria tenda, recorrendo muitas vezes ao uso de fraldas, por medo de saírem depois do por-do-sol. Manter um colchão seco depois da chuva, impedir os estragos causados pela lama, proteger os filhos dos escorpiões, dos ratos e das cobras é um problema que poucos, deste lado, conhecem. Porque não veem. Porque não querem ver.

Uma das primeiras medidas do novo governo foi a revogação do acesso ao sistema público de saúde a requerentes de asilo que chegam à Grécia – o que significa deixar 55 mil pessoas sem cuidados médicos. Muitas delas com traumas de guerra e violência. Muitas delas crianças.

Em janeiro deste ano, foi aprovado um decreto-lei que prevê a requisição de terrenos nas ilhas de Lesbos, Samos e Quios para a instalação de uma rede de novos campos em regime de detenção, em substituição dos campos de processamento e acolhimento de refugiados destas ilhas do Mar Egeu. Deixemo-nos de eufemismos: quando a resposta esperada demora anos, seja qual for a estrutura de acolhimento, trata-se de autênticas prisões.

Na Grécia, não interessam os sonhos, não interessa o percurso que fazem, pois são muitos. E quando são muitos, deixam de ser pessoas e passam a ser números.

A estratégia de acolhimento grega ignora direitos e negligencia vidas e todos os dias dá um passo atrás no percurso que traçámos para uma Europa Solidária. Recusa-se asilo sem ouvir, sem ver. Entregam-se as pessoas à morte, às doenças e à solidão.

Acresce a esta legislação a aposta do governo grego no reforço dos controlos fronteiriços e na vergonhosa instalação de uma barreira flutuante no Mar Egeu para impedir a chegada de pequenas embarcações vindas da Turquia, que será instalada ao largo da ilha de Lesbos. Que regime é este, que constrói muros que impedem as pessoas de chegar e prisões que as impedem de partir?

Na manifestação que aconteceu no início deste mês em Moria, centenas de migrantes e refugiados protestaram contra a lotação dos campos e contra a nova lei que restringe os direitos dos que chegam à Grécia. Num dos cartazes, lia-se “Chega de prisões para almas humanas no Norte do Egeu”.

O JRS condena veementemente as atrocidades que os migrantes e refugiados vivem e os direitos humanos que são negligenciados no pesadelo e vergonha em que se tornaram estas ilhas. Apela, pois, à célere transferência de requerentes e beneficiários de asilo para o resto da Europa, onde sejam tratados como pessoas e encontrem a paz e a estabilidade que merecem e procuram, numa Europa unida e solidária. Se a resposta fosse célere, nada disto estaria a acontecer neste momento.

Dê-se um refúgio, não um inferno.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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