Bruxelas avisa Boris Johnson que só haverá livre comércio se o acordo de saída for cumprido
Ministros dos 27 aprovam novo mandato para o negociador do “Brexit”, Michel Barnier, e fixam os termos para a relação futura com o Reino Unido.
A uma semana do arranque das negociações técnicas entre a União Europeia e o Reino Unido para o estabelecimento da sua relação económica e política pós-“Brexit”, os ministros dos Assuntos Europeus dos 27 deixaram um sério aviso ao Governo de Boris Johnson, que antes de fazer exigências sobre os termos de um futuro tratado comercial, terá de tomar medidas concretas para implementar o acordo de saída, nomeadamente o protocolo da Irlanda.
Como se esperava, os governantes europeus aprovaram esta terça-feira um novo mandato para o seu negociador, bem como o caderno de encargos que Michel Barnier deverá seguir à risca durante as conversações com a equipa britânica para o estabelecimento de uma futura parceria económica e política “ambiciosa, equilibrada e abrangente”, que beneficie ambas as partes.
Mas num dos primeiros parágrafos do anexo de 46 páginas aprovado pelos ministros, para ser apenso à decisão do Conselho Europeu que autoriza a abertura de negociações com o Reino Unido, os parceiros europeus apontam uma condição prévia para o seu sucesso, a saber, que o Governo britânico respeite integralmente os compromissos assumidos, isto é, os termos fixados para o “Brexit”.
“As negociações da desejável parceria futura têm como premissa a efectiva implementação do acordo de saída e dos seus três protocolos. Neste contexto, a futura parceria continuará a proteger o Acordo de Sexta-feira Santa (…) e a reconhecer a importância do processo de paz para a estabilidade e reconciliação na ilha da Irlanda. Além de preservar a integridade do mercado único, a futura parceria assegurará que todas as questões decorrentes da situação geográfica singular da Irlanda serão acomodadas”, lê-se no ponto cinco.
O cuidado na redacção deste ponto mostra como os alarmes de Bruxelas começaram a soar com as notícias que davam conta da intenção de Downing Street escapar à sua obrigação de proceder ao controlo de todas as mercadorias com destino à Irlanda do Norte — que continuará alinhada com o quadro regulatório europeu depois do fim do período de transição do “Brexit”. Segundo o The Times, Boris Johnson terá dado instruções à sua equipa para estudar formas de “apagar” a nova fronteira invisível no mar da Irlanda desenhada no âmbito do acordo de saída para demarcar o território do Reino Unido do da União Europeia.
De resto, e sem surpresa, o documento aprovado pelos ministros confirma a abertura da UE para assinatura de um acordo de “zero quotas e zero tarifas” para os produtos provenientes do Reino Unido, se o país preservar as normas — laborais, ambientais, fiscais e de ajudas de Estado — que actualmente regem a concorrência no mercado interno (o chamado level playing field).
As directivas negociais estão divididas por diferentes áreas temáticas — além do comércio também questões de segurança, defesa e política externa, assuntos judiciais e de polícia e participação em agências e programas europeus — com um capítulo final dedicado à governação do acordo, ou seja, os mecanismos de supervisão e resolução de disputas.
O mandato contém provisões para a cooperação em matérias como a partilha de dados e propriedade intelectual, transportes, mobilidade, energia, ou acesso a concursos públicos. E reafirma o objectivo de concluir um acordo para o acesso recíproco às águas de pesca e totais admissíveis de capturas até ao dia 1 de Julho, para que seja possível fixar as quotas antes do fim do período de transição a 31 de Dezembro.