Manaus, um relato do centro do mundo
No lugar onde dois rios se encontram e formam o grande Amazonas um escritor percorre os sítios da sua vida e da sua escrita. É uma caminhada pelo tempo, desde o apogeu da borracha, o exercício do poder dos brancos face aos indígenas, à decadência dos grandes sobrados, a frágil abundância da Zona Franca. Seguimos Milton Hatoum, descendente de imigrantes libaneses, pela gigante Manaus da margem do Rio Negro. Vigiados por abutres, entre memórias, inquietações, gargalhadas e uma brisa que soprou misericordiosa.
Numa caligrafia bem desenhada, Milton Hatoum faz uma lista de lugares de Manaus e é como se ali, no papel, a cidade ganhasse um contorno definido depois do primeiro vislumbre, a partir do céu. Um imenso plano desfocado entre duas linhas de água barrenta, uma ponte e a vastidão do verde. Da janela do avião, a imagem é quase monstruosa, excessiva, deformada pelo caudal de gotas que escorre pelos vidros, olhos míopes só capazes de adivinhar silhuetas. Lá fora os trovões, a chuva, o vento, o cinzento quase preto da atmosfera são uma maneira de dizer ao viajante caloiro naquele atlas que aquele lugar não encaixa nos padrões normais, espécie de cidade sitiada, ou “ilhada” — como lhe chamou o escritor — onde há um único adjectivo que se ajusta à dimensão do que se vai sentir e ver. A abundância, a pobreza, o calor, a humidade, o assombro, o silêncio e o ruído, a decadência e a opulência, o medo, a devastação, os contrastes ou a medida daquelas tempestades. Tudo será amazónico, outra maneira de dizer colossal.
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