Racismo no desporto? Não se passa nada, é circular e reflectir
Das duas uma: ou o caso Marega é apenas mais um entre poucos, ou as leis, algumas até com mérito, não estão a ser aplicadas de forma correcta e efectiva. Hoje ninguém tem dúvidas que a segunda hipótese é a que vence.
Há uma semana, o futebolista Marega, com grande coragem, saiu e campo por ter sido alvo de insultos racistas. Os portugueses soltaram, e bem, gritos de indignação. Depois, quando se começou a lembrar que o racismo, os mais variados crimes e a infiltração de nazis, entre outros, grassam pelos campos de futebol há dezenas de anos, em especial entre as chamadas claques, muitos mostraram espanto e pediram acção. Tipo: agora é que, agora é que o assunto tem de ser resolvido.
As polícias anunciaram que já tinham identificado uma dúzia dos energúmenos de Guimarães; de todo o lado surgiram anúncios contra o racismo e realizaram-se manifestações. Os clubes também condenaram, mas logo começaram a campanha, com alguns argumentos hilariantes, de que eles, clubes e respectivos dirigentes, nada tinham a ver com aquilo, e como, tal não podiam ser castigados, apesar de serem eles que dão cama, comida e roupa lavada às claques. A culpa é dos malandros que se infiltram nas bancadas e, como tal, cabe às polícias e ao Governo dar conta deles, disseram alguns dirigentes.
O Governo, em especial o secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Rebelo, também rasgou as vestes em sinal de indignação em entrevistas sobre entrevistas. Ocasiões sempre aproveitadas para relembrar um sem fim de leis que diz que o seu Governo já criou e mais um sem fim de acções contra a violência e o racismo no desporto.
Os resultados de tais leis revelou-os o PÚBLICO: a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial aplicou seis multas e três admoestações desde que a nova lei de combate à discriminação racial e étnica foi publicada, em Agosto de 2017. As multas oscilaram entre 375 e os 1500 euros. Multas e castigos pesados aos clubes? “Bola”, para citar Jorge Jesus.
De caminho, até se ficou a saber que já havia cerca de uma centena de adeptos que já estavam proibidos de frequentarem os estádios, mas também se soube que nem todos são alvos de controlo durante os jogos.
Das duas uma: ou o caso Marega é apenas mais um entre poucos, ou as leis, algumas até com mérito, não estão a ser aplicadas de forma correcta e efectiva. Hoje ninguém tem dúvidas que a segunda hipótese é a que vence.
E o que disse o secretário de Estado ao longo da semana sobre mais responsabilidades aos clubes e seus dirigentes, multas realmente pesadas e até começar a falar na perda de pontos desportivos quando se provar que os crimes são levados a cabo por membros de claques que os clubes, directa e indirectamente, apoiam? Nada. Limitou-se a apelar “uma reflexão no sentido de todos procurarem trabalhar com o mesmo objectivo e a mesma meta, visando erradicar comportamentos violentos no desporto”.
Entretanto, este fim-de-semana ficou a saber-se através do Jornal de Notícias que um jogador dos juniores do Leça do Balio pediu para sair durante a primeira parte do jogo contra o Pedras Rubras, da segunda divisão de juniores da Associação de Futebol do Porto, alegando ter ouvido insultos racistas vindos das bancadas. O jovem jogador de 18 anos garantiu estar “cansado” deste tipo de situações. “Mal consigo falar. Não aguento mais este tipo de situações. Chegou a um ponto que é insuportável”, disse o jogador ao JN.
O seu treinador, em declarações ao jornal O Jogo disse que situação é “recorrente” e que esta não foi a primeira vez que o jogador abandonou o relvado por este motivo. “O (…) foi insultado por um adversário que lhe chamou ‘preto’ e ‘macaco’ e pediu para sair ainda na primeira parte. Ele não tinha condições para continuar em campo”, afirmou, revelando que isto aconteceu ainda antes de Marega ter pedido para deixar o relvado de Guimarães.
Portugueses, podem ficar descansados, já foi aberto um inquérito ao caso de racismo sobre ao jovem futebolista. De resto, há muitas leis do Governo, estamos todos a reflectir e os dirigentes dos clubes não têm qualquer responsabilidade.
Em última análise, poderá até não se passar nada. Por isso, é circular e reflectir.