Novo aeroporto do Montijo pode ajudar a “salvar” mouchão da Póvoa mas obras tardam
Maior Ilhota do Tejo está em grande parte inundada. Câmara de Vila Franca reclama intervenção urgente para evitar “destruição” do mouchão. Esta é uma das contrapartidas do novo aeroporto mas virá a tempo?
Mais de metade dos 1200 hectares do mouchão da Póvoa já estão inundados e os autarcas locais receiam que a maior ilhota do Tejo venha mesmo a desaparecer. O rombo no dique detectado há quase 4 anos ainda não começou a ser reparado, apesar das promessas do Ministério do Ambiente, que chegou a anunciar uma intervenção de fundo há quase dois anos. Agora, o problema do mouchão da Póvoa foi englobado no pacote de “compensações” do novo aeroporto do Montijo e o Governo prevê que seja a empresa gestora dos aeroportos a investir os milhões necessários para a recuperação do mouchão e para a sua transformação num espaço de alimentação e de refúgio de aves protegidas.
O pacote de “compensações” previsto na Declaração de Impacte Ambiental (DIA) do novo aeroporto complementar do Montijo prevê que a ANA-Aeroportos e Navegação Aérea assuma a responsabilidade financeira pela reabilitação e preservação do mouchão da Póvoa. Segundo a DIA, esta ilhota do estuário do Tejo, situada em frente da cidade da Póvoa de Santa Iria, mas englobada na freguesia de Vila Franca de Xira, deverá ser alocada à alimentação e refúgio da avifauna. Mas os contornos do processo previsto na DIA ainda não estão clarificados e os autarcas locais temem que o progressivo alargamento do rombo no dique do mouchão faça desaparecer completamente esta que é (era!) a maior ilhota do estuário do Tejo, com cerca de 1200 hectares.
O rombo no dique que protege a parte sul do mouchão foi detectado em Abril de 2016. Teria na altura 30 a 40 metros, mas a reacção ao problema demorou. Foi elaborado um projecto de reparação do dique e de reposição de terras e, em Maio de 2018, o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, esteve no local para anunciar um investimento de 1, 3 milhões de euros na reabilitação do dique e no reaproveitamento do mouchão para actividades agrícolas. Nessa altura, o rombo já teria mais de 100 metros de extensão, mas as obras nunca avançaram porque a empresa seleccionada concluiu que a dimensão do rombo já ia muito para além do previsto e que o projecto de reparação estava muito desactualizado.
“Face à evolução do rombo do mouchão da Póvoa, revelou-se necessário a realização de um novo levantamento topo-hidrográfico, cujo procedimento contratual está em fase de adjudicação”, explica, agora, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), em resposta ao PÚBLICO, vincando que, face ao teor das medidas compensatórias identificadas na DIA do Aeroporto Complementar do Montijo, “terá que ser feita uma reavaliação das acções a promover no Mouchão da Póvoa”.
“Esta DIA, na sua recomendação 5, propõe o desenvolvimento de um Plano de Acção para a implementação das medidas de compensação para a conservação da fauna selvagem, em particular da avifauna, devido à perturbação causada pelo sobrevoo de aeronaves na Zona de Protecção Especial (ZPE) do Estuário do Tejo, que integre, entre outras, a alocação dos terrenos do mouchão da Póvoa para refúgio e alimentação para a avifauna, durante os períodos de construção e de exploração do aeroporto”, constata a APA, frisando que o suporte financeiro destas medidas será da responsabilidade da ANA, empresa que vai construir e gerir este novo aeroporto.
Após a entrega dos resultados do levantamento referido, na sequência da DIA do Aeroporto do Montijo, “serão avaliadas as acções a implementar”, conclui a APA.
Urgência da situação e processo demorado
Perspectiva-se, por isso, que todo este processo de definição e implementação das medidas necessárias ainda vá demorar, o que agrava as preocupações dos autarcas de Vila Franca de Xira. Vereadores da CDU e do Bloco de Esquerda têm colocado repetidamente o assunto em sessões da Câmara vila-franquense. Alberto Mesquita, autarca do PS que preside ao município ribatejano, também lamenta toda esta demora na intervenção anteriormente anunciada.
“Ninguém sabe das obras do mouchão da Póvoa. Já passaram três anos desde o aparecimento do rombo e o problema é cada vez maior. A Câmara tem que pressionar o Governo”, disse Mário Calado, vereador da CDU em recente reunião camarária, alertando para os riscos, sérios, de “desaparecimento” do mouchão. Também Carlos Patrão, vereador do Bloco de Esquerda, defende que a Câmara deve pressionar mais a APA e o Ministério do Ambiente. O autarca do BE refere mesmo que tem indicações de que o dique do mouchão já padece de vários rombos e não apenas da rotura detectada em 2016.
“Aquilo que aconteceu no mouchão da Póvoa era evitável. Quando tinha um rombo de 14 metros bastavam uns batelões de pedra para resolver o problema. A posição da APA, na altura, foi que ninguém podia mexer e o que temos hoje é um rombo com mais de 300 metros e o mouchão está quase todo alagado. As obras estiveram autorizadas e consignadas e, de repente, o empreiteiro disse que o rombo já não estava de acordo com o projecto. A informação que tenho é que o projecto está a ser reformulado e, depois, será lançada uma nova empreitada”, referiu Alberto Mesquita, em recente reunião camarária.
Já em declarações ao PÚBLICO, Alberto Mesquita reconhece que sobre as eventuais medidas a adoptar pela ANA no âmbito do Aeroporto do Montijo, a Câmara de Vila Franca de Xira “não detém mais informações além daquelas que têm vindo a ser veiculadas publicamente pela comunicação social”.
O edil assegura, no entanto, que a Câmara “tem vindo a reiterar junto do Ministério do Ambiente e da Agência Portuguesa do Ambiente aquilo que é a sua posição desde 2016, de que é emergente uma intervenção no Mouchão da Póvoa de Santa Iria, procurando nesta altura evitar a sua destruição total, face aos anos já decorridos desde o rombo inicial”. Nesse sentido, na ausência de outras informações oficiais por parte das entidades competentes, a Câmara “considera benéficas quaisquer intervenções que possam contribuir para garantir a integridade ambiental do Mouchão, assim como a salvaguarda do equilíbrio ecológico do próprio rio Tejo”.