Copiemos o Vasco
Não se escreve tão bem como o Vasco escrevia sem ter lido muito, diariamente, durante muitas décadas. E é esta a parte dele que muita gente pode e deve copiar.
É compreensível que ao falar dum escritor brilhante como Vasco Pulido Valente se atribua a excelência dele e do que ele escreveu às qualidades com que nasceu.
Entre essas qualidades estavam a inteligência, o sentido de humor, a coragem, a originalidade e o espírito crítico. Isto só para falar nas qualidades positivas do Vasco, já que as negativas também ajudaram à grande festa.
O Vasco mereceu tanto ter estas qualidades como mereceu ter nascido em Portugal no século XX de pais portugueses, burgueses, cultos e ricos.
Tudo isto foram privilégios que ele obviamente sempre reconheceu e soube subtrair, um a um, consciente de cada uma das consequências que tiveram e foram tendo.
Saber subtrair as sortes que se tiveram - até redundar, às vezes, no desespero, quando se teme que não fique nada - é um exercício de honestidade para com a nossa própria pessoa e um exercício de justiça para com os outros, sobretudo para com a multidão imensa dos menos sortudos.
Esta sorte também pode servir para desculpar quem desiste de tentar conseguir o que o Vasco conseguiu.
Porque a verdadeira grandeza do Vasco foi não se ter ficado pelos privilégios e pelos talentos. Pelo contrário, fartou-se de trabalhar. Trabalhou a sério, organizadamente, metodicamente, com cuidado e entrega.
Não se escreve tão bem como o Vasco escrevia sem ter lido muito, diariamente, durante muitas décadas. Não se chegava às opiniões dele sem ter muito pensado e vivido e conversado.
E é esta a parte dele que muita gente pode e deve copiar.
Mas custa.