Serviços secretos dos EUA denunciam nova campanha da Rússia para ajudar Trump nas eleições
Presidente norte-americano afastou o líder interino das agências de espionagem e nomeou em sua substituição um conhecido apoiante, dias depois de uma reunião na Câmara dos Representantes em que os congressistas foram avisados sobre a interferência russa.
Os serviços secretos norte-americanos avisaram o Congresso de que a Rússia está a interferir na campanha para as eleições presidenciais nos Estados Unidos, incluindo nas primárias do Partido Democrata para a escolha do adversário de Donald Trump. Numa reunião realizada há uma semana, mas só noticiada na noite de quinta-feira pelos jornais norte-amercianos, a responsável pela segurança eleitoral no país afirmou que o objectivo da Rússia é garantir a reeleição do Presidente norte-americano, uma declaração que enfureceu Trump.
A conclusão foi apresentada à Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes, onde têm lugar alguns dos congressistas que mais se destacaram durante o processo de impeachment do Presidente Trump, como o democrata Adam Schiff e o republicano Devin Nunes.
A apresentação das conclusões dos serviços secretos foi feita por Shelby Pierson, a líder de um departamento criado no Verão de 2019 para centralizar as informações sobre os ataques contra o sistema eleitoral norte-americano. Mas foi o chefe de Pierson, Joseph Maguire, responsável interino pelas 17 agências da comunidade de serviços secretos norte-americanos, quem enfrentou a fúria do Presidente Trump.
"Arma política"
De acordo com notícias dos jornais Washington Post e New York Times, Maguire foi chamado à Casa Branca um dia depois da reunião sobre a interferência russa para ser repreendido por Trump. O Presidente norte-americano ficou particularmente incomodado com o facto de Adam Schiff ter testemunhado a apresentação de Shelby Pierson, dizendo que o congressista do Partido Democrata ia usar as informações como uma “arma política” para o denegrir.
Esta sexta-feira, Schiff comentou o caso no Twitter, acusando o Presidente norte-americano de “pôr em risco” o combate à interferência nas eleições.
“Confiamos na comunidade de serviços secretos para informar o Congresso sobre interferências externas nas nossas eleições. Se as notícias se confirmarem, e se o Presidente estiver a interferir nesse combate, está mais uma vez a pôr em risco os nossos esforços para travar a interferência externa. Exactamente como avisámos que ia acontecer”, disse o congressista do Partido Democrata.
Numa reacção às notícias dos jornais norte-americanos, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, negou qualquer interferência russa nas eleições nos Estados Unidos.
“São mais anúncios paranóicos que, lamentavelmente, vão multiplicar-se à medida que nos vamos aproximando das eleições. Não têm nada que ver com a realidade”, disse Peskov, citado pela agência Reuters.
Durante a reunião da semana passada, os congressistas do Partido Republicano puseram em causa as conclusões dos serviços secretos norte-americanos, dizendo que o Presidente Trump tem sido duro com a Rússia e com alguns dos seus aliados, como o Irão, pelo que o Presidente Vladimir Putin não tem qualquer interesse em vê-lo mais quatro anos na Casa Branca.
Interferências e conspirações
Em Janeiro de 2017, os serviços secretos norte-americanos avisaram o então recém-eleito Presidente Trump de que a Rússia interferiu nas eleições de 2016 de várias formas, com destaque para o uso das redes sociais para disseminar propaganda.
Nos anos seguintes, essas conclusões dos serviços secretos deram origem a várias investigações, do Departamento de Justiça e do Congresso, que confirmaram a interferência russa nas eleições de 2016. Mas o assunto ficou marcado, até hoje, pelas divisões políticas nos Estados Unidos. Enquanto os serviços secretos e o Partido Democrata afirmam que a interferência russa teve como objectivo ajudar Donald Trump e prejudicar Hillary Clinton ao mesmo tempo que semeava divisões no país, o Partido Republicano afirma que o objectivo era apenas provocar a discórdia entre a população.
O Presidente Trump recusa-se a aceitar as conclusões dos serviços secretos norte-americanos, e da equipa do procurador especial Robert Mueller, de que a Rússia interferiu nas eleições de 2016, e muito menos a seu favor.
Numa conversa telefónica com o Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, em Julho de 2019, Trump pediu-lhe que investigasse uma teoria da conspiração sustentada pelos seus apoiantes mais radicais, segundo a qual foi o anterior Governo ucraniano que interferiu nas eleições de 2016 nos Estados Unidos para culpar a Rússia. Segundo essa tese, a interferência ucraniana foi feita em conspiração com o Partido Democrata e com responsáveis norte-americanos que operam nas sombras (o “deep state") para o prejudicar.
Novo líder dos serviços secretos
Na quarta-feira, dias depois das reuniões na Câmara dos Representantes e na Casa Branca, o Presidente Trump anunciou que Joseph Maguire não ia ser nomeado para a liderança permanente das agências de serviços secretos.
Maguire, de 68 anos, foi escolhido por Trump para assumir o cargo de forma provisória em Julho de 2019, após o despedimento de Dan Coates. O afastamento de Coates foi noticiado pelos jornais norte-americanos três dias depois da conversa telefónica entre Trump e o Presidente ucraniano – uma coincidência temporal que não foi notada na altura porque o telefonema que deu origem ao processo de impeachment ainda não era do conhecimento público.
Para o lugar de Joseph Maguire, o Presidente norte-americano escolheu o embaixador dos Estados Unidos em Berlim, Richard Grenell, um conhecido apoiante de Trump e crítico das investigações sobre a interferência russa.
Como líder interino de todas as agências dos serviços secretos norte-americanos – incluindo o departamento sobre interferência nas eleições –, Grenell terá de ser substituído por um líder permanente até 11 de Março, segundo a lei. Nada impedia que fosse ele próprio o nomeado, mas era pouco provável que fosse aprovado por dois terços do Senado, devido à sua proximidade ao Presidente Trump.
Na quinta-feira, Trump disse que está a pensar em nomear para o cargo o republicano Doug Collins, outro congressista que se destacou no apoio ao Presidente norte-americano durante o processo de impeachment, como membro da Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes.
A escolha de Collins serviria dois objectivos, segundo os jornais norte-americanos. Por um lado, afastaria o congressista republicano das conturbadas eleições primárias no estado da Georgia para a escolha do substituto do senador Johnny Isakson, que saiu por doença. Esse lugar está a ser feito por Kelly Loeffler, também ela uma apoiante de Trump e favorita do Partido Republicano para enfrentar o adversário do Partido Democrata nas eleições gerais, em Novembro.
Por outro lado, havendo poucas hipóteses de também Collins vir a ser aprovado por dois terços do Senado como responsável pelos serviços secretos, o embaixador Richard Grenell poderá manter-se como líder interino até à nomeação seguinte, num processo que pode demorar vários meses até ficar concluído.