Temos provas dos encontros imediatos entre neandersovanos e humanos super-arcaicos

Software desvenda vários episódios da evolução humana desde populações de humanos super-arcaicas, passando pelos denisovanos e indo até aos neandertais.

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Entrada da gruta Vindija, na Croácia, onde foi encontrada uma mulher neandertal JOHANNES KRAUSE

Há 700 mil anos, algures na Eurásia, antepassados de neandertais e de denisovanos (grupos de humanos já extintos) reproduziram-se com uma população super-arcaica de outros hominíneos. Este é considerado o primeiro episódio de reprodução cruzada entre populações de hominíneos num artigo científico publicado esta quinta-feira na revista Science Advances. Ao longo do artigo, que é assinado por três cientistas dos Estados Unidos, surgem outros episódios sobre as relações dos nossos antepassados humanos.

Em 2017, o antropólogo Alan Rogers tinha proposto que as linhagens dos neandertais e dos denisovanos se tinham separado há mais tempo do que se pensava. Contudo, outros antropólogos criticaram este trabalho. Convencido de que os dois grupos de humanos se tinham, de facto, separado mais cedo, Alan Rogers continuou a tentar juntar as peças do jogo evolutivo.  

Tentou então montar esse lego através de um software chamado “Legofit”, que estima a história populacional com dados genéticos. Com este método, Alan Rogers estudou diferentes modelos com várias combinações genéticas que podem ter resultado da reprodução cruzada de antigos hominíneos. Para essa análise, usou-se ADN de fósseis de denisovanos e neandertais encontrados nos montes Altai (Sibéria) e na gruta de Vindija (na Croácia), assim como de africanos e europeus actuais.

“O Legofit é capaz de observar com profundidade o passado, porque ignora a variação genética dentro do mesmo grupo”, explica ao PÚBLICO Alan Rogers, que é investigador na Universidade do Utah (Estados Unidos). Ao ignorar essas mudanças, o modelo torna-se mais simples e “vê-se” o passado mais facilmente. 

Verificou-se assim que há cerca de 700 mil anos duas populações diferentes de humanos se reproduziram entre si. Tudo terá acontecido entre os antepassados dos neandertais e dos denisovanos – designados “neandersovanos” – e uma população super-arcaica de hominíneos que se separou de outros hominíneos há cerca de dois milhões de anos. “Este é o episódio mais antigo de reprodução cruzada entre populações de hominíneos que se conhece”, destaca Alan Rogers. “Desvendámos um intervalo na história evolutiva humana que antes era completamente desconhecido.”

Mas há ainda questões em aberto: quem era a população super-arcaica de hominíneos? De acordo com o antropólogo, poderiam ter sido o Homo erectus (que viveu há cerca de 1,8 milhões de anos), o Homo antecessor (que viveu há 800 mil anos) ou uma linhagem que ainda não foi denominada.

E onde terá acontecido? Terá sido algures na Eurásia. Pensa-se que ocorreu naquela região porque os “neandersovanos” se separaram da linhagem que levou aos humanos modernos (portanto, a nós) há 750 mil anos em África e depois expandiram-se para a Eurásia. Além disso, foi encontrado na aldeia de Dmanisi (na Geórgia) um fóssil de Homo erectus com cerca de 1,8 milhões anos. “Mas estes são argumentos muito especulativos. Não sei onde essa reprodução cruzada teve mesmo lugar”, alerta Alan Rogers.

De África para a Eurásia

Falando em expansão, o Legofit também mostrou que os hominíneos terão migrado de África para a Eurásia três vezes. A primeira aconteceu há 1,9 milhões de anos, quando os hominíneos super-arcaicos foram para a Eurásia. Depois, há 700 mil anos, os “neandersovanos” migraram também de África para a Eurásia e lá reproduziram-se com os descendentes dos super-arcaicos. Por fim, os humanos modernos saíram de África para a Eurásia há 50 mil anos. Aí, reproduziram-se com outros humanos antigos, incluindo com os neandertais.

Olhando ainda com uma lupa só para denisovanos e neandertais, viu-se que as linhagens destes dois grupos de humanos antigos se separaram no início do Pleistoceno Médio (entre 781 mil e 126 mil anos), já depois da reprodução cruzada entre “neandersovanos” e hominíneos super-arcaicos ocorrida há 700 mil anos. Outros modelos indicavam que essa separação tinha acontecido mais tarde, há cerca de 380 mil anos.

Aos poucos, temos vindo a conhecer cada vez mais os encontros e desencontros de grupos de humanos antigos já extintos. Em Agosto de 2018, através de um osso, soubemos que uma adolescente que viveu há 50 mil anos seria filha de uma mulher neandertal e de um homem denisovano. Qual será o próximo episódio desta novela evolutiva humana?

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