União Europeia quer investir pelo menos 4 mil milhões de euros em “nuvem de dados” europeia
O plano foi anunciado esta segunda-feira como parte da nova Estratégia Digital Europeia. Uma das teorias sobre a falta de gigantes tecnológicos europeus é a dificuldade em partilhar dados entre os vários países.
A União Europeia planeia investir entre quatro e seis mil milhões de euros em espaços comuns de dados na Europa e numa federação europeia de infra-estruturas e serviços de computação em nuvem – tradução literal de cloud computing. O objectivo é potenciar a partilha de dados entre os diversos Estados-membros e promover o desenvolvimento da inteligência artificial. Com este tipo de infra-estrutura, os dados ficam numa “nuvem” de servidores, acessíveis a partir de qualquer dispositivo com ligação à internet.
O plano foi anunciado esta quarta-feira pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, como parte da nova estratégia digital europeia – inclui medidas para promover a troca de dados e uso da inteligência artificial em áreas como a saúde, transportes, agricultura, cibersegurança e educação. Estão detalhadas em dois documentos, um sobre a estratégia europeia para os dados e outro sobre formas de conseguir criar inteligência artificial centrada no ser humano (este último aberto para consulta pública até 19 de Maio).
Para a líder europeia, os documentos reflectem a ambição de criar uma “Europa digital”, e chegam numa altura em que a União Europeia começa a ficar para trás na construção de um futuro digital. Em 2020, as empresas que mais acumulam informação de pessoas são chinesas e norte-americanas. Os EUA têm o Facebook e o Google, e a China tem o motor de busca Baidu e a gigante de comércio electrónico Alibaba.
É uma realidade que a União Europeia reconhece. “Actualmente, um pequeno número de empresas de tecnologia reúne grande parte dos dados mundiais”, lê-se no documento sobre a nova estratégia de dados. “Mas os vencedores de hoje não têm de ser necessariamente os vencedores de amanhã”.
Uma das teorias sobre a falta de gigantes tecnológicos europeus é a dificuldade em partilhar informação entre os vários países. O novo plano, que defende a criação de uma rede europeia de dados, pretende resolver a situação.
“A nossa sociedade está a gerar uma enorme quantidade de dados industriais e públicos que irá transformar a forma como produzimos, consumimos e vivemos. Quero que as empresas europeias e as muitas PME da Europa acedam a estes dados e criem valor para os europeus”, frisou em comunicado Thierry Breton, Comissário para o Mercado Interno. Com isto, Breton acredita que a “a Europa tem tudo para liderar a corrida dos megadados”.
No futuro traçado nos documentos, são mencionados sistemas europeus capazes de enviar alertas, em tempo real, sobre o atraso de comboios a evitar milhões de horas de trabalho perdidas. Ao nível da saúde, o acesso remoto a registos de saúde pode potenciar diagnósticos acelerados. No sector energético, as pessoas podem passar a gastar menos electricidade graças a sistemas inteligentes de aquecimento. E na agricultura, a partilha de dados para aplicações de inteligência artificial pode levar a produções com um menor uso de pesticidas e água.
Inteligência artificial e biometria de confiança
O maior foco da União Europeia continua, no entanto, a ser a criação de sistemas inteligentes em que os utilizadores podem confiar. Foi em 2019 que a União Europeia primeiro apresentou um conjunto de guias para ajudar os Estados-membros a criar sistemas autónomos “de confiança”. Estes devem proteger as pessoas de algoritmos que discriminam com base na idade, género, ou etnia, e garantir a autonomia humana.
Para tal, a estratégia da União Europeia considera fundamental criar mecanismos de controlo adicionais para áreas de “alto risco” na inteligência artificial – por exemplo, sistemas de condução autónoma, sistemas clínicos e sistemas que decidem sobre o pagamento da segurança social.
A biometria é outra área sensível, particularmente o uso de inteligência artificial para criar sistemas que permitam monitorizar as pessoas. Em alguns países estes mecanismos são utilizados para controlar a entrada em eventos de grandes dimensões. “A acumulação e o uso de dados biométricos para identificação remota, por exemplo, o uso de reconhecimento facial em espaços públicos, acarreta riscos específicos para os direitos fundamentais”, lê-se no documento sobre a estratégia de dados na União Europeia.
Na China, os usos do reconhecimento facial já incluem autorizar o acesso a metros em Xangai e Pequim, e projectar imagens de peões a desrespeitar os sinais de trânsito em Shenzhen em ecrãs gigantes (juntamente com o nome e uma multa via SMS).
Actualmente, as regras europeias definem que o reconhecimento facial só deve ser permitido em casos específicos, como autenticação remota em casos justificados e de acordo com a lei. O Governo português, por exemplo, quer criar um sistema de reconhecimento facial para usar a chave móvel digital, ferramenta que já permite aceder a vários serviços online do Estado, como o Portal das Finanças, a Segurança Social e serviços do Sistema Nacional de Saúde. França está a testar, desde Junho, um sistema semelhante conhecido por Alicem.
Para dar resposta a preocupações sobre o eventual uso desta tecnologia em espaços públicos e evitar fragmentação do mercado, a Comissão Europeia planeia lançar um debate europeu sobre as situações em que o reconhecimento facial faz sentido e quais as medidas de segurança associadas.
Os próximos passos na estratégia digital também incluem criar um Plano de Acção Democrático Europeu e fortalecer a área da cibersegurança ao criar uma unidade comum para o combate a este tipo de crime. “Se a União Europeia quer adquirir um papel de liderança na economia dos dados, tem de agir agora e enfrentar, de forma coordenada, questões que vão desde a conectividade ao processamento e armazenamento de dados, poder computacional e cibersegurança”, resume o documento sobre a estratégia de dados europeia.