Tribunal absolveu crítico de Erdogan julgado pelos protestos na Praça Gezi. Horas depois, a polícia deteve-o

O empresário turco Osman Kavala foi absolvido no julgamento em que foi acusado de instigar os protestos do Parque Gezi de 2013, mas foi detido logo a seguir, sob a acusação de participar na tentativa de golpe de Estado em 2016.

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A mulher de Osman Kavala, Ayse Bugra,depois de saber que o marido não ia ser libertado Murad Sezer/REUTERS

Poucas horas depois de um tribunal da Turquia ter absolvido o empresário turco Osman Kavala, acusado de envolvimento nos protestos antigoverno no parque Gezi, em 2013, o Ministério Público do país exigiu novamente a sua detenção. Desta vez, Kavala foi acusado de participar na tentativa de golpe de Estado para depor o Presidente Erdogan, em 2016.

A absolvição de Kavala e de outras oito pessoas, num total de 16 acusados, na terça-feira, foi recebida com surpresa por causa da gravidade das acusações. Os protestos na praça de Istambul, há sete anos, quando se soube dos planos do Governo para acabar com o jardim para construir um centro comercial, numa altura em que e Erdogan era primeiro-ministro, foram o primeiro momento de grande contestação que enfrentou.

A nova ordem de detenção foi conhecida quando Kavala, um conhecido mecenas, era esperado pelos seus apoiantes, que aguardavam a libertação do empresário num restaurante perto da prisão de Silivri.

“Foi Erdogan quem ordenou a detenção de Kavala, e foi ele quem ordenou a sua libertação. Estamos à espera da libertação dele há cinco horas, e agora puseram-se a inventar acusações sobre o golpe”, disse à Reuters o deputado Garo Paylan, do partido pró-curdo HDP.

“Ninguém está a salvo desta crueldade judicial na Turquia. Estou muito preocupado com as decisões judiciais arbitrárias e inventadas”, acrescentou o deputado.

"Teatro cruel e absurdo"

Horas antes, no tribunal, ouviram-se aplausos e algumas pessoas choraram quando a decisão foi anunciada. A condenação era amplamente esperada, num julgamento que era visto como um teste à justiça na Turquia. Os juízes e advogados foram um dos alvos da purga ordenada por Erdogan após o golpe falado de 2016, que teve como alvos também empresários, professores dos vários níveis de ensino, a polícia, o exército e outros sectores do alto funcionalismo público, os media - todos aqueles em que havia uma forte participação de membros do grupo fundado pelo seu ex-aliado e agora rival, o imã Fethullah Gülen, que o Presidente turco acusa de estar por trás do golpe.

Kavala, empresário e filantropo, recebeu ordem de libertação ao fim de mais de dois anos na prisão. Em Dezembro, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos exigiu a sua libertação imediata. “É claro que a decisão de hoje [terça-feira] é a correcta, mas o processo é falso. Vimos o sistema de justiça da Turquia a transformar-se num teatro cruel e absurdo”, disse à Reuters a directora da Human Rights Watch na Turquia, Emma Sinclair-Webb.

Este comportamento da justiça turca está a tornar-se um padrão. Algo de semelhante aconteceu com o director da Amnistia Internacional na Turquia, Taner Kilic, detido de novo um mês depois de ter sido absolvido pelo tribunal, em 2018.

Protesto civil

Em 2013, milhares de pessoas manifestaram-se em Istambul e em outras cidades da Turquia contra os planos aprovados por Erdogan para a reconstrução de uma réplica de uma caserna militar otomana no parque Gezi. Para isso, seria necessário abater as árvores que ali existiam. Mas transformou-se num levantamento civil contra o autoritarismo de Erdogan, muito mais do que por causa das árvores de Gezi. Oito jovens manifestantes e um agente da polícia foram mortos e 5000 pessoas ficaram feridas nos distúrbios.

Após a absolvição de terça-feira, o ministro da Indústria, Mustafa Varank, referiu-se aos protestos de Gezi como “uma traição que prejudicou o país democrática e economicamente”.

Kavala e outros dois acusados ​​enfrentavam penas de prisão perpétua sem liberdade condicional, enquanto os outros seis ​​foram acusados ​​de ajudar a tentar derrubar o Governo. Todos negaram as acusações e apenas Kavala ficou a aguardar o julgamento na prisão.

“Ficção conspirativa”

Os casos de sete outros réus, que estão no estrangeiro e seriam julgados à revelia, foram separados dos oito principais e os seus mandados de prisão foram suspensos. Um advogado disse à Reuters que os sete também devem ser absolvidos.

Em sua defesa, Kavala apontou para a decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos a exigir a sua libertação imediata e descreveu como uma “ficção conspirativa” a ideia de que os protestos eram uma tentativa para derrubar o Governo.

Em 2015, num outro julgamento, o tribunal absolveu as pessoas acusadas pelos protestos de 2013, com o juiz a determinar que estavam a exercer o seu direito à liberdade de reunião. Mas, em 2017, Kavala foi detido e no ano seguinte a polícia deteve os outros 15 réus, incluindo figuras da sociedade civil, escritores e actores.

As acusações foram parte de uma repressão que as autoridades turcas disseram ser necessária por razões de segurança, e que envolveu uma purga generalizada nas Forças Armadas, em ministérios e em organizações estatais.