Voluntariado: um novo modelo de aprendizagem

Portugal tem ainda um longo caminho pela frente no que respeita ao payback (devolver à comunidade tudo aquilo que se aprendeu, minimizando ou resolvendo um problema identificado ao longo do tempo) e na intervenção comunitária. O voluntariado pode e deve ser uma resposta ao serviço de todos.

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Será que a melhor forma de aprendermos é com a experiência e os erros? A teoria de Malcolm Gladwell (escritor do livro Fora de Série) diz-nos a resposta a esta questão: são necessárias 10 mil horas de treino para ficarmos experts em alguma coisa e este é um processo de quem aprende e de quem ensina. Esta é uma visão mais igualitária em relação ao talento ou à forma como o podemos trabalhar. Ainda assim, existem correntes que contrariam Gladwell, defendendo que temos de unir o dom com a prática.

Correntes teóricas à parte, há um factor de extrema importância: o poder da relação. Rita Pierson é uma referência para mim. Numa TED Talk disse que “every kid needs a champion”, acrescentando ainda que nenhuma criança aprende com pessoas de que não gosta e que o nosso maior legado são as relações. Enquanto professora, defende que a humildade e o não-julgamento são a chave de ouro para transmitir poder e sentimento de pertença a qualquer comunidade.

As aprendizagens que nos são passadas por pessoas que temos como exemplos permitem criar ligações no nosso modelo de aprendizagem, garantir que existe mudança e liberdade para assumir o compromisso de aprender. A minha experiência tem-me empurrado para este mesmo “papel”, o de exemplo a seguir.

A partilha das coisas que me apaixonam fez-me perceber que podemos (e devemos, se quisermos) tornar-nos mentores ao longo da vida. Por que temos de guardar o talento só para nós? Não seria incrível se todos tivéssemos “superpoderes” e os utilizássemos para deixar os locais melhor do que os encontramos? A partilha de talentos, que está na base do Movimento Transformers, é um poderoso instrumento de transformação e esta é a mensagem que tento passar a quem me acompanha no dia-a-dia, pessoal e profissionalmente. E é uma das formas mais rápidas de criar relações, daquelas que nos vão seguir toda a vida. Ser a Rita Pierson na vida de alguém!

Ao longo dos anos, fui percebendo que essa partilha podia ser exponencialmente aproveitada, garantindo que era acessível a qualquer idade, cultura ou estrato social. Dei, de forma informal, workshops e aulas a jovens em risco de exclusão social, que inevitavelmente se juntavam ao grupo e aprendiam com os mais experientes. Foi assim que nasceu este modelo de aprendizagem, que aposta nos talentos de cada um de nós e no poder das relações.

Tomei consciência de que o impacto que estávamos a ter com as crianças e jovens em risco de exclusão social também poderia ser aplicado aos que não estão em risco, dos 0 aos 128 anos, em qualquer sítio e a qualquer hora. Garantimos assim que as ruas onde intervimos ganharam outra cor e que as escolas onde agora trabalhamos ganharam vida. As comunidades estão organizadas e são participativas e os jovens andam “de peito para fora” porque têm talentos. Sentem-se confiantes, há um grande espírito de entreajuda e há no ar a certeza de que o melhor ainda está para vir: em casa, no bairro, na rua, no centro educativo, na residência… Têm um “superpoder” e uma vontade enorme de o oferecer aos outros. E o ciclo vai repetir-se, geração após geração.

Portugal tem ainda um longo caminho pela frente no que respeita ao payback (devolver à comunidade tudo aquilo que se aprendeu, minimizando ou resolvendo um problema identificado ao longo do tempo) e na intervenção comunitária. O voluntariado pode e deve ser uma resposta ao serviço de todos, um modelo de desenvolvimento de competências e de transmissão de talentos. Apesar de a taxa de voluntariado, por exemplo, continuar bem abaixo da média europeia: estamos no 90.º lugar no ranking de tempo dedicado ao voluntariado nos últimos dez anos, o que significa que, na última década, apenas 14% dos portugueses dedicou algum tempo ao voluntariado. O mesmo não se pode dizer em relação ao simples gesto de ajudar um estranho. O World Giving Index, da Charities Aid Foundation, indica que 42% da população fez uma boa acção nos últimos dez anos, o que mais uma vez potencia esta minha visão sobre as relações. Queremos estar presentes nas vidas de quem mais precisa de nós.

Na verdade, quando falo em voluntariado, quero afirmar que este é um instrumento de grande impacto no que toca à transmissão de conhecimento. Não o quero, de todo, limitar aos jovens ou a níveis socioeconómicos. Todos podemos ser agentes de mudança nas nossas comunidades, incluindo os nossos avós. Também para esta faixa etária é fundamental aumentar a autonomia, o enquadramento social e a auto-estima. A transmissão de conhecimento e partilha de talentos faz sentido, sem limites.

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