“O número de supercentenários vai aumentar” em Portugal

O norte-americano David Bloom, professor na Universidade de Harvard, falou das mudanças “dramáticas” na demografia portuguesa e mundial na conferência de Fundação Francisco Manuel dos Santos. Cerca de 7% da população em Portugal tinha mais de 65 anos em 1950, agora corresponde a 22,8%.

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Paulo Pimenta

A esperança média de vida global tem vindo a aumentar, e Portugal é um dos países onde a população está a envelhecer mais rapidamente, a uma velocidade “dramática”.

A probabilidade é de crescerem os exemplos como Maria de Jesus, a portuguesa que, quando morreu em 2009 com 115 anos, era a mais velha do mundo. A nível global, a esperança média de vida, até ao fim do século, deve ultrapassar os 100 anos. “O número de supercentenários [ou seja, pessoas que chegam aos 110 anos] vai aumentar”, também em Portugal, disse o norte-americano David Bloom, director do departamento de Estudos Demográficos do National Institute of Aging da Universidade de Harvard, que apresentou aqueles dados na conferência Demografias Nacionais, Consequências Globais, que decorreu esta quarta-feira no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa. A conferência assinala os 10 anos da Pordata — a base de dados sobre a população portuguesa da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). 

Também director da Value of Vaccination Research Network, criada pela Fundação Bill e Melinda Gates, Bloom tem feito investigação sobre a relação entre saúde, demografia, crescimento económico e desenvolvimento. 

Na conferência mostrou gráficos. Olhando para a pirâmide etária ao longo das décadas em Portugal, as diferenças são tão acentuadas que a figura deixa mesmo de ser uma pirâmide. O ritmo do crescimento das faixas etárias mais altas em Portugal mostra que, em 1950, cerca de 7% da população tinha mais de 65 anos; em 1990 a percentagem era de quase 14% e em 2020 é de 22,8%. Já a população com mais de 85 anos passou de 1% em 1990 para 3,2% em 2020. A idade média mundial aumentou de 22 anos em 1970 para 32 anos agora; neste momento, a média em Portugal é já de mais de 40 anos.

Na sua intervenção, Bloom deixou o recado de que é possível interferir na demografia. “Muitos de vocês terão ouvido que a demografia é destino, ou seja, que a fábrica social, política e económica é determinada pelo tamanho da sua população.” Mas o também economista discorda: “As trajectórias demográficas não estão predestinadas.” Quer dizer que se podem alterar com mudanças comportamentais, inovações tecnológicas e institucionais. “A chave é planear antecipadamente, aprender uns com os outros, não interferir nas adaptações naturais e não falhar na liderança do caminho.”

Taxas de fertilidade descem de três para 1,3 filhos

Outros dados das mudanças demográficas, mas a nível global: durante 99% do tempo da história da humanidade — na verdade, até ao início do século XIX — o mundo chegou aos mil milhões de pessoas. Mas foram precisos apenas 70 anos, entre 1927 e 1999, para passar de 2 para 6 mil milhões, vê-se nos gráficos que Bloom mostrou.

A velocidade a que a população global aumenta é rápida — só que neste momento a taxa de crescimento é metade daquela que existia em 1960, cerca de 2%. Todas as projecções apontam para que o crescimento ocorra sobretudo em países de baixo e médio rendimento, países que têm menos estabilidade a nível político, económico e ambiental e onde os desafios serão, portanto, maiores, afirmou. Por outro lado, é sobretudo nas cidades que se concentra a população: os dados mostram que de 1950 para 2020 a percentagem da população urbana passou de 30% para 56%, e estima-se que chegue a 68% em meados do século XXI.

Em 1950, a nível mundial, cada mulher tinha em média cinco filhos. Neste momento esse número caiu para 2,5 filhos. Portugal reflecte essas mudanças: em 1950 as portuguesas tinham cerca de três filhos e agora essa média caiu para 1,3, segundo Bloom. “Isto está a levar ao declínio da taxa de fertilidade da população aqui e ao aumento da percentagem de idosos”, afirmou. 

O país com mais tios do que sobrinhos

Já antes de Bloom o painel de convidados debateu o “Inverno demográfico” em Portugal, traçado em Nós, portugueses - Nascer para não morrer, documentário da FFMS, em parceria com a RTP. Os problemas que Portugal irá atravessar foram sublinhados pelos participantes, o sociólogo Pedro Góis, o antropólogo José Manuel Sobral e a escritora Alice Vieira. Somos um país de filhos únicos, com mais tios do que sobrinhos, e onde os avós têm mais irmãos do que netos, referiu Pedro Góis. A nível demográfico, “temos um futuro angustiante e problemático”, comentou José Manuel Sobral.  Alice Vieira reteve do documentário a imagem de um “balouço vazio”, ou seja, um país sem crianças. 

No documentário, o geógrafo Álvaro Domingues introduziu a questão: mas será que sermos menos é necessariamente negativo? “Se o volume da população fosse muito importante a Índia seria um país riquíssimo e os nórdicos uns desgraçados. O que interessa é perceber se se vive bem e com dignidade numa determinada área”, afirmou.

Carlos Daniel, o jornalista que moderou, quis saber, então, se o facto de em Portugal “nascer-se menos e morrer-se mais tarde” é necessariamente negativo. “Morrer mais tarde é bom, muitas das pessoas nesta sala vão viver até aos 100 anos”, disse Pedro Góis. Por outro lado, nascer menos “não é necessariamente mau, porque como a população mundial continua a crescer podemos ter algum equilíbrio entre o hemisfério Norte e o hemisfério Sul.” Só que, sublinhou, o mundo é desigual e há fronteiras que impedem o equilíbrio demográfico. “Com as nossas políticas podemos condenar quem está no hemisfério Sul a serem mais, mas a viverem menos.”

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