Envoltos na polémica Polanski, a Academia de Cinema Francesa e os Césares querem reorganizar-se

Numa carta aberta publicada no Le Monde na segunda-feira, 400 membros da Academia pediram mais democracia. Esta quarta-feira, no Le Parisien, várias associações feministas apelaram ao voto contra Roman Polanski e convocaram uma manifestação para a cerimónia de 28 de Fevereiro.

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J'accuse - O Oficial e o Espião, de Roman Polanski tem 12 nomeações para os Césares deste ano e é parte do foco da polémica à volta dos prémios do cinema francês DR

A edição 2020 dos Césares tem sido tudo menos pacífica. Primeiro, em Janeiro, soube-se que Alain Terzain, presidente da Academia de Cinema Francesa, impediu a realizadora Claire Denis e a escritora e realizadora Virginie Despentes de irem ao evento anual Dîner des Révélations, um jantar que os prémios do cinema francês dedicam aos novos talentos, acto pelo qual acabou por pedir desculpa. Depois, no mesmo mês, saíram as controversas nomeações, com J'accuse - O Oficial e o Espião, de Roman Polanski, a destacar-se na pole position da cerimónia deste ano, que decorrerá no dia 28 de Fevereiro no auditório Pelle Pleyel, em Paris. O filme do cineasta que há décadas se radicou em França, depois de ter sido julgado por violação de uma menor de 13 anos nos Estados Unidos em 1978, é o mais nomeado, num total de 12 categorias.

Na sequência das duas polémicas, não se fizeram esperar os apelos a uma reorganização interna da Academia. Esta segunda-feira, o jornal Le Monde publicou uma carta aberta assinada por 400 personalidades do cinema francês que pedem mais transparência e mais democracia neste organismo que tutela os Césares. Entre os subscritores contam-se os actores Bérénice Bejo, Omar Sy, Léa Seydoux, Chiara Mastroianni, Mathieu Amalric (um dos intérpretes de J'accuse), Jeanne Balibar ou Jean-Pierre Bacri, os realizadores Jacques Audiard, Arnaud Desplechin, Robin Campillo, Laurent Cantet, Céline Sciamma, Claire Denis, Mati Diop, Michel Hazanavicius e Jêrome Salle, bem como os produtores Eric e Nicolas Altmayer e Saïd Ben Saïd. Querem mudar a Academia por dentro.

Os subscritores da carta, que não menciona o nome de Polanski mas alude ao jantar de Janeiro, criticam o facto de o corpo administrativo da Associação para a Promoção do Cinema, que tutela a Academia, não ser eleito por quem, como eles, faz parte da organização e paga as quotas. Os 4700 membros da Academia, lamentam, não têm voz no que toca ao funcionamento deste organismo e à cerimónia dos Césares. Querem que o modelo se aproxime mais do dos Óscares e dos BAFTA, os prémios britânicos, em que os membros podem eleger quem governa a Academia. 

Pouco antes da carta, a Academia já se tinha comprometido a tomar medidas para “modernizar os Césares”. Essas medidas visam, por exemplo, atingir a paridade de género na administração e na assembleia geral da Associação para a Promoção do Cinema, bem como entre os votantes dos prémios, que contam actualmente com apenas 35% de mulheres. Ainda no domingo, numa entrevista ao Le Journal de Dimanche, Terzain, que defende que os prémios não devem tomar “posições morais”, admitiu que, caso houvesse mais mulheres a eleger os nomeados, o filme de Polanski provavelmente não teria tanto destaque na cerimónia.

Mas as mudanças já anunciadas, e reiteradas num comunicado enviado aos jornais franceses três hora antes da publicação da carta aberta, não são suficientes para desbloquear o “sistema elitista e fechado” dos Césares, defendem os subscritores. Entretanto, a Academia reagiu oficialmente à carta na terça-feira, pedindo um “apaziguamento para evitar pôr em risco o decorrer sem percalços da 45.ª cerimónia dos Césares” e anunciando que vai pedir ao Centro Nacional para o Cinema, a agência do governo francês para o sector, a nomeação de um mediador que se encarregue da reforma profunda dos estatutos e da organização da Academia.

Mas há já mais uma carta aberta a agitar o cinema francês. Esta quarta-feira, o jornal Le Parisien publicou um apelo de várias associações feministas (Planning Familial, Collectif Féministe Contre le Viol, Abandon de Famille – ​Tolérance Zéro! ou Réseau féministe Ruptures) ao voto contra o filme de Polanski. As subscritoras, que convocaram uma manifestação a ter lugar em frente à Salle Peyel na noite dos Césares, argumentam que “celebrar um abusador como Polanski é apoiar o sistema de impunidade para a violência masculina, e silenciar as vozes das vítimas”, referindo-se às várias acusações de abusos e violência sexual, negadas pelo próprio, que existem contra o cineasta, além do caso pelo qual foi julgado. As denúncias vêm de mulheres como a artista Marianne Barnard, que em 2017 acusou o realizador de ter abusado dela quando tinha apenas dez anos, ou a fotógrafa Valentine Monnier, que em Novembro alegou ter sido violada por Polanski aos 18 anos. "Doze nomeações aos Césares para o filme J'accuse, de Roman Polanski. Doze, como o número de mulheres que o acusam de violações pedocriminosas”, sublinham. E acrescentam: "Se violar é uma arte, dêem a Polanski todos os Césares!”

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