Procuradora-geral suspende directiva sobre poderes das chefias do Ministério Público
Lucília Gago pediu nesta terça-feira um parecer complementar ao conselho consultivo, sobre a forma como as ordens dos superiores hierárquicos ficam registadas. “Não tenho memória de uma situação destas”, observa dirigente sindical dos procuradores, que fala em grande precipitação da figura máxima do Ministério Público.
A procuradora-geral da República, Lucília Gago, anunciou nesta terça-feira que irá suspender a publicação da polémica directiva sobre os poderes das chefias do Ministério Público.
Baseada num parecer do Conselho Consultivo do Ministério Público, a directiva estabelece que os procuradores têm mesmo de cumprir todas as ordens dos seus superiores hierárquicos, a não ser que sejam ilegais ou que violem a sua consciência jurídica. Só nessas situações poderiam recusar-se a fazê-lo.
Lucília Gago anunciou também ter decidido pedir um parecer complementar ao conselho consultivo sobre a possibilidade de as ordens dadas pelos superiores hierárquicos em processos concretos poderem não constar desses mesmos processos, mas apenas de documentos confidenciais internos do Ministério Público.
Segundo este órgão de aconselhamento, é legítimo que essas ordens não sejam conhecidas por ninguém, nem sequer pelos arguidos dos processos concretos e respectivos advogados. O que a procuradora-geral da República quer saber agora é em que regime as pessoas envolvidas nessas acções judiciais “podem aceder ao registo escrito destas decisões proferidas no interior da relação de subordinação hierárquica”.
“Grande precipitação” da procuradora
Depois de, na semana passada, Lucília Gago ter emitido a directiva que legitima a interferência dos superiores hierárquicos em processos de que não são titulares, o Sindicato de Magistrados do Ministério Público anunciou que iria impugná-la judicialmente e adoptar “formas de luta adequadas à gravidade da situação”.
Confrontado com o anúncio desta terça-feira, o presidente do sindicato, António Ventinhas, afirmou que se trata de um recuo parcial da procuradora-geral da República, mas ainda insuficiente para desistir da impugnação judicial, uma vez que não existem quaisquer indícios de que a principal responsável do Ministério Público tencione abdicar de aumentar os poderes de interferência nos processos dos procuradores que ocupam cargos de direcção.
“Tudo o que se passou nos últimos dias relativamente a esta matéria revela grande precipitação e falta de ponderação” por parte de Lucília Gago, comenta António Ventinhas, recordando que, depois de ter transformado o parecer em directiva, a procuradora-geral da República teve de emitir um esclarecimento sobre o assunto, no qual garante que as relações hierárquicas entre os magistrados do Ministério Público se mantinham “nos termos em que foram concebidas e consolidadas nas últimas décadas”.
“Não tenho memória de uma situação destas”, observa o dirigente sindical, para quem a polémica directiva devia ser pura e simplesmente revogada, para a questão poder ser reanalisada com calma.
Origem: Tancos
Foi por solicitação do Conselho Superior do Ministério Público que Lucília Gago pediu ao seu órgão de aconselhamento que se pronunciasse sobre a amplitude e a forma de exercício dos poderes hierárquicos nesta magistratura. O tema foi posto na berlinda pelo director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Albano Pinto, que proibiu os procuradores titulares da investigação do furto das armas de Tancos de chamarem o Presidente da República e o primeiro-ministro para os ouvirem na qualidade de testemunhas no âmbito deste processo — alegando, entre outras coisas, que a diligência era inútil e que tinha de ser levada em conta a dignidade dos cargos em causa.
Embora contrariados, os titulares do processo de Tancos acataram a ordem, não tendo invocado a sua eventual ilegalidade nem a violação da sua consciência jurídica.
O anúncio da suspensão da directiva surge no dia em que vários membros do Conselho Superior do Ministério Público iam transmitir a Lucília Gago, numa das habituais reuniões deste órgão, o seu desagrado relativamente à forma como a magistrada tem lidado com esta questão.