El Salvador: Presidente entrou no Parlamento com o Exército e abriu uma crise constitucional
Bukele exige aprovação do seu plano de segurança e quer adaptar a Constituição à “realidade” do país. Deputados denunciam “tentativa de golpe de Estado” do Presidente antissistema e temem regresso da violência.
Eleito há um ano com promessas de erradicar a criminalidade, combater a corrupção e libertar o país das mãos do establishment político, o Presidente Nayib Bukele abriu uma crise constitucional e política em El Salvador para ver aprovado o seu plano de segurança, abrindo feridas que fazem temer nova escalada de violência numa das mais jovens democracias da América Central.
O catalisador da crise deu-se no domingo, quando Bukele decidiu interromper uma sessão plenária no Parlamento, que ele tinha convocado de forma extraordinária, acompanhado por vários militares. “Parece-me muito claro quem é que detém o controlo da situação”, atirou o chefe de Estado, na câmara legislativa, ladeado de soldados munidos de armas automáticas e vestidos com coletes à prova de bala.
Uma manifestação de força sem precedentes de uma presidência iniciada em Junho, que foi concebida e posta em prática para pressionar os deputados a aprovarem o plano de segurança do Governo para combater a criminalidade. E cujas imagens trouxeram à memória os fantasmas da guerra civil salvadorenha (1979-1992).
Já fora do edifício, na capital (São Salvador), e perante uma multidão propositadamente convocada para o evento, o Presidente defendeu a legitimidade constitucional e política da sua acção, apelou à “insurreição popular” e deu aos deputados uma semana para oferecerem luz verde aos seus planos. Sob pena de os convocar, de novo, para o Parlamento, no próximo domingo.
Com uma arma apontada
O episódio mereceu a condenação de praticamente todos os partidos salvadorenhos e a suspensão dos trabalhos da Assembleia na segunda-feira. O presidente do Parlamento, Mario Ponce, acusou Bukele de uma “tentativa de golpe de Estado”, afirmando, citado pela AFP, que os deputados “não podem responder ao poder executivo com uma arma apontada às suas cabeças”.
“Se fosse ditador tinha tomado o controlo de todo o Governo esta noite”, defendeu-se o Presidente, numa entrevista ao El País, horas depois da parada militar no Parlamento.
Para além disso, o Tribunal Constitucional abriu um processo de averiguação de inconstitucionalidade das acções de Bukele e enunciou uma série de medidas cautelares, proibindo-o de convocar mais sessões parlamentares extraordinárias e lembrando que “ainda que o Presidente seja o comandante-geral das Forças Armadas (…) isso não significa que pode utilizá-las para qualquer objectivo”.
O executivo garantiu esta terça-feira que vai acatar a resolução do tribunal, mas exige que este lhe permita “adaptar” a Constituição à realidade social e política de um dos países com as maiores taxas de homicídios do mundo.
“Exortamos o Constitucional a que, ao pronunciar a sentença definitiva, tome em consideração os actuais interesses da República em matéria de segurança, através de uma interpretação que permita a adaptabilidade da Constituição à realidade do momento, de maneira a não limitar a autoridade, válida e vigente, conferida ao Conselho de Ministros”, lê-se no comunicado da presidência, reproduzido pelo jornal salvadorenho El Mundo.
Bukele pretende que o Parlamento aprove um empréstimo de 109 milhões de dólares (cerca de 100 milhões de euros) ao Governo, para que este ponha em prática a terceira fase do Plano de Controlo Territorial, que inclui um enorme investimento em armamento, para a polícia e para as forças de segurança poderem intensificar o combate aos gangues criminosos que proliferam por El Salvador.
Segundo os números apresentados pelas autoridades, o país apresentou uma média de 35,6 homicídios por cada 100 mil habitantes, em 2019. Em Janeiro deste ano, refere o El Mundo, registaram-se 119 homicídios, a uma média de 3,8 por dia.
Foi para acabar com esta calamidade que Nayib Bukele, de apenas 38 anos, se apresentou aos eleitores em 2019, à frente da Grande Aliança pela Unidade Nacional (GANA), um partido populista e anti-sistema, que não tem o peso histórico e político das duas maiores forças políticas de El Salvador: a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), de esquerda e maioritária no Parlamento, e a Aliança Republicana Nacionalista (Arena), de direita.
Foi eleito com 53% dos votos, há um ano, e, consigo ao leme, El Salvador já reduziu a criminalidade em 28%, em comparação com 2018, escreve a AFP. Seja por causa do seu plano de segurança ou por outros factores, a verdade é que em Dezembro do ano passado os seus índices de popularidade aproximavam-se dos 90%.