Teddy Riner, um dia mau por década
O gigante francês perdeu depois de quase dez anos de invencibilidade e 154 vitórias consecutivas, mas continua a ter no horizonte um terceiro título olímpico. E, talvez, um quarto.
Todos têm direito a um dia mau de vez em quando. Para um judoca, quanto mais curto for um dia, pior é, sinal de que não competiu tanto como podia, de que não chegou ao combate final pelo título/troféu que estava em jogo. Durante a sua carreira, Teddy Riner tem tido pouquíssimos dias maus, mas, neste domingo, teve um deles: perdeu em “golden score” contra o japonês Kokoro Kageura no Grand Slam de Paris. Mais de 14 mil espectadores ficaram em silêncio ao assistirem a uma derrota de alguém que julgavam invencível. Não era para menos. O último dia mau de Riner tinha sido em 2010 e, depois disso, tinham sido 154 vitórias consecutivas.
Por bater ficou o recorde na categoria de pesados de outro japonês, Yasuhiro Yamashita, imbatível em 210 combates (203 vitórias e sete empates) durante oito anos. Mas Riner parece menos preocupado com o recorde e mais interessado na durabilidade do seu enorme corpo de 130kg de peso e 2,03m de altura. E como tem o currículo recheado (dois títulos olímpicos, cinco europeus e dez mundiais) prefere limitar as suas aparições nos tatami internacionais. Não esteve nos dois últimos Mundiais de judo (Baku 2018 e Tóquio 2019), a pensar no prémio maior, um terceiro título olímpico consecutivo no próximo Verão, no país do judo.
“Não estou em choque”, declarou “Teddy Bear” a seguir à derrota com Kageura, um judoca bastante mais baixo (1,79m) e mais leve (120kg) que ele. “Vou ser vulgar, mas aquilo que eu pensei foi: ‘Merda, já passou’. O meu objectivo é o que eu tenho dito sempre, Tóquio 2020. E também tenho dito sempre que, se tivesse de perder, que fosse antes dos Jogos Olímpicos. Assim, tanto melhor, descarreguei a pressão. Andar a combater para apanhar o recorde de Yamashita é cansativo”, frisou o francês de 30 anos.
E Riner tem razões para se sentir cansado. Se olharmos para a sua carreira, o francês já leva década e meia nos grandes palcos do judo mundial, e com um registo quase perfeito, 221 vitórias em 231 combates entre 2005 e 2020. Foram apenas dez derrotas e, antes de perder em Paris neste domingo, só tinha perdido numa final de um Mundial, em Tóquio 2010, na categoria Open, frente a um japonês (Daiki Kamikawa) que não teria grande carreira depois de abater o colosso francês. Na altura, Riner perdeu por decisão dos juízes, não concordou e deixou de lado o habitual protocolo depois de anunciado o resultado: não fez a saudação nem cumprimentou o adversário.
Desta vez, em Paris, não repetiu a falta de cortesia ao adversário porque reconheceu falhas próprias na derrota. “Faltaram muitas coisas. O judo estava lá, mas faltou-me agressividade e explosão”, confessou o francês, que poucos meses antes tinha tido algumas dificuldades para derrotar Kageura em Brasília. O judoca japonês acabaria por nem sequer ganhar o torneio parisiense e não é garantido que seja ele o representante nipónico em +100kg nos Jogos de Tóquio – só pode haver um representante por país em cada categoria e Kageura não é, neste momento, melhor japonês do “ranking” mundial –, mas já tem o mérito de alcançar o que parecia impensável. E da forma mais japonesa possível. “Vi o filme da derrota em Outubro todos os dias sem falhar. Capitalizei tudo o que estudei de Riner”, disse o japonês de 24 anos.
Individualista e masoquista
Teddy Riner nasceu na ilha de Guadalupe, enquanto os pais, um funcionário dos correios e uma funcionária municipal, estavam de férias. Criado em Paris, Riner mostrou sempre uma enorme apetência para o desporto, mas foi o judo que o cativou. “Escolhi o judo porque nunca perdia e no futebol a vitória não dependia apenas de mim. Enervava-me que alguns não dessem tudo. No judo, sou o único responsável pela derrota ou pela vitória”, contou Riner numa entrevista ao jornal Le Monde em 2017.
Começou a entrar em torneios internacionais aos 15 anos, e, aos 17 (em 2006), teve as suas primeiras grandes conquistas, campeão europeu e mundial de juniores. No ano seguinte, para além do título continental, tornou-se no campeão mundial mais jovem de sempre na competição masculina e os títulos foram-se sucedendo – só não foi campeão olímpico à primeira tentativa, com um bronze em Pequim 2008. Depois da derrota no Mundial 2010, veio a tal sequência de 154 vitórias consecutivas, incluindo mais seis títulos mundiais, quatro europeus e dois olímpicos (2012 e 2016).
A esses dois títulos, Riner quer juntar, não um, mas mais dois. Ele pensa em fechar a carreira nos Jogos de Paris em 2024. Em casa e com a família a ver. “Não vão ser 75. Vão ser 400. Vai ser uma coisa de loucos”, conta na mesma entrevista ao Le Monde. Mas será que o seu enorme e castigado corpo aguenta? “Tenho de poupar o meu corpo. Depois de mais de dez anos nisto, já está bastante usado. Não tenho muita cartilagem, tenho artroses nos ombros e nos joelhos, uso um gel com ácido hialurónico porque tenho muitas dores e para não ‘ranger’ tanto. É assim o desporto de alta competição, esforço intenso repetido todos os dias. É assim, tento não pensar muito nisso. O sofrimento é o preço que temos de pagar. Temos de ser um pouco masoquistas. Vamos ver. Em algum momento o corpo e a cabeça vão dizer que não aguentam mais. Terei de virar a página.”