Parecer que levou a guerra com procuradores não dá “poderes acrescidos” a Lucília Gago, diz PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR dizia que procuradores só podiam desobedecer a chefias se estivesse em causa violação da sua consciência jurídica e sindicato disse que ia impugnar directiva.

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Directiva de Lucília Gago incendiou o Ministério Público daniel rocha

A Procuradoria-Geral da República (PGR) garante que o parecer do seu conselho consultivo, que passou a ser uma directiva, sobre a intervenção da hierarquia em processos judiciais, não “atribui ao procurador-geral da República poderes acrescidos”. A afirmação consta de um esclarecimento enviado esta sexta-feira, no qual é ainda sublinhado que os procuradores têm o “dever de recusar ordens ilegais” e a “faculdade de recusar tal cumprimento em casos de grave violação da sua consciência jurídica”.

Este parecer, que indicava que os procuradores só podiam desobedecer às chefias quando estivesse em causa uma violação da consciência jurídica do magistrado, culminou mesmo numa “guerra” entre os magistrados do Ministério Público e Lucília Gago. Nesta quinta-feira, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) anunciou que decidira impugnar judicialmente a directiva da PGR. Lucília Gago determinou que o parecer ganhava forma de directiva o que não agradou aos magistrados que, segundo o sindicato, “são transformados em marionetas”.

O presidente do sindicato, António Ventinhas, disse ao PÚBLICO que o SMMP continua com intenção de impugnar a directiva e que isso está a ser analisado pelos seus advogados.

O comunicado desta sexta-feira é enviado, diz a procuradoria, “na sequência de questões colocadas no espaço público relativamente ao teor” do parecer.

Ventinhas, que já disse que a directiva legitimava “uma política de opacidade e de desresponsabilização das hierarquias”, questiona: “Os magistrados do Ministério Publico também têm o dever de desobedecer a directivas ilegais? Se o fizer, a pessoa terá um processo disciplinar?”

Num comunicado do sindicato divulgado esta quinta-feira o SMMP escreveu que “a directiva representa o maior ataque à autonomia dos magistrados alguma vez efectuado no regime democrático, entrando na história do Ministério Público pelas piores razões. É a morte do Ministério Público democrático”.

Ao PÚBLICO, António Ventinhas explica esta sexta-feira que a directiva viola o estatuto do MP – o estatuto diz que a intervenção hierárquica deve ser feita nos termos do Código de Processo Penal (CPP). “O parecer diz que a visão do MP no CPP é pouco musculada e estabelece, por via administrativa, a visão que entende que deve ser a hierarquia do MP mas sem correspondência com a lei”.

“Sem dúvida, a directiva representa o maior ataque à autonomia dos magistrados alguma vez efectuado no regime democrático, entrando na história do Ministério Público pelas piores razões. É a morte do Ministério Público democrático”, diz um comunicado do sindicato divulgado esta quinta-feira. A directiva teve origem num parecer de 74 páginas do Conselho Consultivo da PGR destinado a esclarecer até que ponto os procuradores poderiam desobedecer às ordens dos seus superiores hierárquicos. “A subordinação hierárquica dos magistrados do Ministério Público melhora a administração da justiça”, permitindo a execução da política criminal definida pelos órgãos soberania”.

Tancos: proibidos de chamar Costa e Marcelo

Lucília Gago decidiu pedir este parecer ao órgão de aconselhamento depois de o director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Albano Pinto, ter proibido os procuradores titulares da investigação do furto das armas de Tancos de chamarem o Presidente da República e o primeiro-ministro para os ouvirem na qualidade de testemunhas no âmbito deste processo — alegando, entre outras coisas, que a diligência era inútil e que tinha de ser levada em conta a dignidade dos cargos em causa. Tanto quanto se sabe, os titulares do processo de Tancos preferiram acatar a proibição de Albano Pinto, não tendo invocado esta objecção de consciência. 

Começando por sustentar que o parecer “analisa as relações hierárquicas estabelecidas entre um magistrado e o seu imediato superior”, o parecer conclui, diz esta sexta-feira a PGR, que “a hierarquia sindica as falhas da autonomia interna e esta os abusos daquela”. Além disso, salienta que as relações hierárquicas entre os magistrados do Ministério Público mantêm-se nos termos em que foram concebidas e consolidadas nas últimas décadas”.

O parecer diz ainda que “a emissão de uma directiva, de uma ordem ou de uma instrução” não constitui um “acto processual penal, não devendo constar do processo”. Para o sindicato, ao dizer que estas ordens hierárquicas não precisam de ficar documentadas no processo, pretende-se “instituir um sistema maquiavélico e cobarde em que quem dá as ordens fica na sombra e não as assume, deixando que o aparente titular da investigação acarrete com tal responsabilidade”. Neste ponto, apesar da contestação dos procuradores, a PGR mantém o que definira o parecer do conselho consultivo lembrando que “o expediente produzido no estrito domínio das relações hierárquicas, que não deva constar do concreto processo, está sujeito a fiscalização, designadamente no âmbito de inspecções aos magistrados ou aos serviços”.

O comunicado termina com uma nota em forma de sugestão para os procuradores que não concordem com as ordens dos seus superiores hierárquicos: “Acresce que, conforme resulta do parecer, o magistrado do Ministério Público pode, no âmbito desse concreto processo, justificar a posição que assume, eventualmente diversa ou contraditória com as que antes assumiu, com uma referência sumária ao dever de obediência hierárquica. Ou seja, pode referir que está a cumprir uma ordem, mencionando mesmo, se tal se justificar, a existência de um suporte escrito extraprocessual de tais comandos hierárquicos.” Com Joana Gorjão Henriques

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