Da Glória ao mundo, Fatinha desenha o amor, as viagens, a vida
Natural de Aveiro, foi em Antuérpia que se afirmou como ilustradora e soma prémios internacionais. Entre viagens, Fatinha Ramos criou agora Love Around The World, uma história de amor entre duas mulheres, verídica, que planeavam viajar e casar-se nos 22 países onde o casamento entre pessoas do mesmo sexo é legal. Final feliz, pelo menos no desenho.
O nome Fátima só aparece nos documentos oficiais. Sempre foi tratada por Fatinha e é Fatinha que gosta de ser. Natural da Glória, Aveiro, vive há cerca de 19 anos em Antuérpia, na Bélgica, onde tem vindo a desenvolver uma carreira como ilustradora que já a levou a conquistar vários prémios internacionais. A ilustração do livro Sonia Delaunay: A life of color, editado pelo MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova Iorque) foi um dos seus projectos com maior reconhecimento e também um dos que mais gostou de desenvolver. Fatinha Ramos começou a desenhar ainda em criança, na cama do hospital – a receber tratamento para uma doença óssea –, e nunca mais parou.
Seguindo o conselho dos pais, optou pelo curso de design, em vez da licenciatura em pintura. Formou-se em Design Gráfico na ESAD, no Porto, e seguiu para a câmara de Aveiro para fazer um estágio. Pouco depois, começou a fazer as malas para rumar a Antuérpia. Coisas do cupido. Na altura namorava com um belga e foi por amor que se mudou para a região da Flandres, terra que não tardou a considerar também sua. “Já lá vivo há muito tempo”, repara, apontando uma grande vantagem: “Não é longe de Portugal, são duas horas e meia de avião, portanto, vai dando para vir cá muitas vezes.”
Quando chegou a Antuérpia começou a trabalhar na área da publicidade, como directora de arte, tendo, inclusive, desenvolvido “campanhas nacionais para o Governo da Flandres”, recorda. Em 2003, conquistou o CCB (Creative Club of Belgium) Golden Creative Award em publicidade.
Logo a seguir foi viver e trabalhar para a Nicarágua durante meio ano, no âmbito de um projecto dos Arquitectos Sem Fronteiras. “Fomos construir casas para as pessoas mais pobres”, recorda, a propósito de uma experiência que lhe permitiu, também, explorar novas paisagens e culturas. “Viajámos pela Nicarágua e também pela Costa Rica e gostei de ambos os países”, introduz. Enquanto a Costa Rica era mais verde, mais arranjadinha, mais turística, a Nicarágua, na altura, era mais wild mas isso também lhe dava charme”, especifica.
Por volta de 2013, 2014 decidiu começar a correr atrás do sonho de trabalhar como ilustradora. Deu o salto e trocou em definitivo o design pela ilustração. “Não estava a gostar daquilo que estava a fazer e decidi entrar em acção, porque a vida é curta de mais. Fiz uma lista de todas as coisas que queria fazer na minha vida e cheguei à conclusão que tinha de viver mais 250 anos para poder fazer tudo”, testemunha. No fundo, decidiu começar a dar mais cor à sua vida. E também à nossa.
Despediu-se de todos os seus clientes, retirou do seu website todas as tarefas que não queria continuar a fazer e decidiu fazer uma exposição individual que foi um sucesso – a mostra Unbreakable, que viajou também até ao Porto.
Sinal de que a artista sempre lá esteve, dentro dela. “Não se pode escolher ser ou não artista. Ou se é ou não se é”, declara. “Eu andei alguns anos sem me afirmar como artista, mas não era feliz”, prossegue. Hoje, confessa-se 100% realizada. Ama tanto aquilo que faz que, por vezes, durante o processo criativo, até chega a perder a noção do tempo. E é também com paixão que fala de cada um dos seus projectos. Curiosamente, o último traz o amor no título. “Chama-se Love Around The World e é sobre duas mulheres que se apaixonam, a Fleur e a Julian, que decidem criar um projecto artístico, 22 The Project, que as levaria a casarem-se nos 22 países onde era possível pessoas do mesmo sexo casarem-se”, desvenda, a propósito do seu mais recente livro.
Uma história com passagem por Portugal
Fatinha Ramos nem hesitou quando recebeu o convite para ilustrar o livro que retrata uma história verídica e interrompida de forma súbita. “Elas casaram-se em Antuérpia, Amesterdão, Nova Iorque e, no quarto casamento, em Paris, a Julian descobre que tem um cancro no cérebro e uns meses depois morre”, relata a ilustradora. Fatinha Ramos sentiu que tinha de dar o seu contributo para ajudar a dar a conhecer este projecto ao mundo, mostrando, essencialmente, “que o amor existe, independentemente de ser entre um homem e uma mulher ou duas pessoas do mesmo sexo”.
A história de Love Around The World também passa por Portugal. A criatividade de Fatinha Ramos colocou Fleur e Julian “a casarem-se no Porto e vestidas de minhota”. E mais não dizemos, uma vez que o livro só irá ser apresentado no nosso país em Abril. “A Fleur e eu vamos estar em Lisboa, no Planetiers World Gathering, no dia 24 de Abril, a fazer uma sessão de apresentação oficial”, anuncia a artista.
Em Antuérpia, vive na parte sul da cidade, junto “aos museus, às galerias e perto do rio”, faz questão de vincar. Gosta de estar por lá, também pelas pessoas, pelas relações que foi construindo. Ainda assim, sempre que pode viaja até Portugal, para rumar à cidade de Aveiro, ao encontro da família e dos amigos. E “da luz, das cores, do mar e da comida” de que tanto gosta.
Foi na sua cidade natal que a Fugas a encontrou, em tempo de festa e de animação, em honra de São Gonçalinho, que Fatinha Ramos foi, este ano, desafiada a ilustrar. “Foi uma honra e também uma grande responsabilidade fazer esta litografia”, testemunha.