Têxtil: desvio espanhol e anemia alemã interrompem década de crescimento

Portugal exportou 5259 milhões em 2019, menos 1% face a 2018. É a primeira quebra em dez anos, explicada pela perda de produção para Marrocos e Turquia.

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Desvio de encomendas do grupo Inditex, dono da Zara e outras marcas populares em Portugal, arrastou para baixo as exportações de vestuário de Portugal Arnd Wiegmann/Reuters/Arquivo

As vendas da indústria têxtil e vestuário (ITV) a Espanha caíram 73 milhões de euros em 2019. O vizinho ibérico não é o único mercado de destino em quebra, mas foi o principal culpado da descida nas exportações da ITV portuguesa, que perdeu 1% da facturação no ano passado face a 2018, para 5259 milhões de euros.

É a primeira vez, desde 2009, que as vendas ao exterior da ITV num ano não ultrapassam a facturação do ano precedente. Foram nove anos sempre a crescer, uma tendência agora interrompida porque o principal cliente de Portugal, a Espanha, e o terceiro maior comprador, a Alemanha, registaram quebras de 4,3% e 3%, respectivamente.

No primeiro caso, a razão parece ser a transferência de encomendas de Portugal para Marrocos e Turquia por parte de grandes clientes da confecção portuguesa, como a Inditex – o grupo espanhol dono de marcas como Zara, Pull & Bear, Bershka e Lefties, entre outras. Porquê? Segundo a Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, “alguns players importantes alteraram a lógica de fornecimento” nos segmentos de “moda e fast fashion” porque “do ponto de vista dos preços, Portugal tem perdido alguma competitividade”.

"Ainda que Portugal continue a apresentar vantagens em factores diferenciadores como a confiança, a resposta rápida e o valor acrescentado, os custos de contexto não são fáceis e os custos salariais têm tido algum impacto”, explica Ana Paula Dinis, da ATP. E para empresas de fast fashion, como a Inditex, a questão dos custos é das mais relevantes, aponta. Porque “as decisões acabam por ser tomadas com base no preço” e menos com base nos outros factores de diferenciação.

Nesse particular, Marrocos e Turquia conquistaram encomendas que antes eram satisfeitas em Portugal, porque em termos de proximidade acabam por ser colocados no mesmo patamar que a confecção portuguesa, que foi o sector que mais comércio perdeu e aquele que, como diz a ATP, “mais sente o peso” dos custos salariais.

Já no caso da Alemanha, para onde se venderam menos 14 milhões de euros, a explicação fundamental será o clima de estagnação que pautou a economia alemã e que terá influenciado o comportamento dos consumidores naquele país, refere a mesma responsável.

UE pior que o resto do mundo

Em termos totais, as vendas ao estrangeiro da ITV ascenderam em 2019 a 5259 milhões de euros, menos 53 milhões do que no ano anterior. Os artigos de vestuário representaram cerca de 60% das exportações, as matérias-primas têxteis, incluindo fios, tecidos e têxteis técnicos, justificam 25% da facturação no exterior e os restantes 14% da receita dizem respeito aos têxteis-lar e outros artigos têxteis confeccionados.

O negócio do vestuário em malha perdeu 2,3%, sendo a categoria mais penalizada, com uma perda de 50 milhões na receita. Pelo contrário, as vendas de vestuário em tecido subiram 2,5%, um acréscimo de 24 milhões.

Por regiões, tendências divergentes: o comércio intra-comunitário (que representa 82% das exportações da ITV) caiu 1,9%, mas houve mercados como a França (+2,6%) e os Países Baixos (+4,2%) a contrariar essa tendência; já a fatia mais pequena das exportações, a das vendas extra-comunitárias, aumentou 3,3%, para 970 milhões de euros. O destaque aí vai todo para os EUA, que se mantêm como o cliente mais importante fora da União Europeia. Em 2019, as vendas para os EUA cresceram de 322 milhões para 340 milhões, mais 18 milhões ou 5,4%.

Este bom desempenho pode ser explicado com a recuperação do mercado norte-americano, que nos anos anteriores tinha perdido algum negócio devido ao contexto de incerteza no comércio internacional. O acordo da UE com o Canadá pode também ter tido um impacto positivo “por simbiose” nas vendas aos EUA, admite Ana Paula Dinis. 

O Reino Unido, que a partir de 2020 passará a ser um cliente extra-comunitário, manteve em 2019 uma tendência negativa. Embora continue a ser o quarto maior cliente da ITV portuguesa, a facturação caiu 1,4%, para 399 milhões de euros.

Mais importações, mas saldo mantém-se positivo

Mesmo com esta quebra de 1% nas exportações, a balança comercial da ITV continua positiva. As importações até cresceram 3,6% em 2019, fixando-se em 4476 milhões de euros, mas o saldo final ainda é de 784 milhões, com uma taxa de cobertura de 118%.

Este aumento das compras ao estrangeiro verificou-se sobretudo na categoria de vestuário (+7,6%), o que a ATP explica com o facto de os portugueses estarem “a comprar mais” e também com a tal deslocalização de alguma da produção internacional para Marrocos e Turquia. É que parte do que é produzido nestes países acaba por reentrar no mercado português como produto acabado para ser vendido a portugueses, aumentando assim as importações de vestuário, frisa Ana Paula Dinis.

A expectativa da ATP para 2020 aponta para um cenário semelhante ao de 2019. Até pode haver crescimento nas exportações, porém mesmo no melhor cenário o aumento será “brando”, afirma a mesma responsável.

O plano estratégico da ITV, apresentado em Dezembro de 2019, prevê diversos cenários para os próximos cinco anos, o pior dos quais passaria por uma redução drástica de 2700 empresas (cerca de um terço das actualmente existentes) e de trabalhadores (menos 28 mil). Governo e patrões acreditam que o futuro não será tão negro, mas o sabor a fim de ciclo que na altura já pairava no ar acaba agora por se confirmar com os dados do comércio externo revelados pelo INE.

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