Em defesa de Tiago Guedes e da democracia num teatro
Existirão poucas formas de honrar a liberdade de criação como aquela que é exemplificada, diariamente, desde há cinco anos por Tiago Guedes à frente do Teatro Municipal do Porto, não obstante o erro que já assumiu ter cometido.
Ao longo dos anos, acompanhei o trabalho de Tiago Guedes como diretor artístico do Teatro Municipal do Porto, reconhecendo que tem sido pautado pelo diálogo, a colaboração e a expectativa de se verem forjadas alianças que apoiem, acompanhem e permitam aos artistas as condições necessárias para que o seu trabalho possa ser desenvolvido de acordo com o que imaginaram.
Ao longo destes mesmos anos, temos sido cúmplices, parceiros e aliados de uma visão para a criação artística nacional que, a partir da cidade e dos seus teatros municipais, em tudo faz jus a um compromisso com a verdade e a cidade enquanto espaço de diálogo, de cooperação e de relações assentes na confiança.
Não me é, por isso, difícil tomar posição pública e afirmar todo o empenho, a seriedade e o profissionalismo de Tiago Guedes enquanto programador e diretor artístico do Teatro Municipal do Porto e do festival Dias da Dança.
Não obstante a assunção do erro por parte do Tiago Guedes – e também considero que foi cometido um erro –, estamos a assistir a uma escalada de acusações graves e claramente acompanhada de interesses políticos. Num aproveitamento envolto numa opinião pública mediatizada pelas redes sociais, a velocidade das primeiras impressões tem tido a força de impor aquilo que nos deveria surgir como uma afronta, não apenas ao bom nome profissional de Tiago Guedes, mas também ao profissionalismo de uma equipa como a do Teatro Municipal do Porto. Uma direção e equipa que, nos últimos anos, muito tem contribuído para se pensar, ser e estar diferente, como se quiser, e em nome da liberdade artística, na cidade do Porto.
Creio que os artistas do Porto, bem como os seus públicos, sabem melhor o tanto que já se fez, e o muito que se tem feito, publicamente e nos bastidores, para que a história do Teatro Municipal do Porto não se repita e seja mais do que uma história de casos arregimentados pelo desconhecimento, a insinuação, a difamação e a crítica epidérmica.
Na exposição pública que também é o processo de decisão programática, tenho sido testemunha privilegiada do quão exigente tem sido, para com a história do Teatro Municipal do Porto, a direção de Tiago Guedes.
É porque o sei que o deveríamos reconhecer. Somos beneficiários, testemunhas e cúmplices, trabalhando ou não no Porto, de um trabalho de complementaridade, de equidade e de contributo para o debate público e o papel que a criação artística deve ter. Esse histórico não pode aceitar ser definido por argumentos que usam palavras que deveriam importar mais porque, na história de um país como o nosso, importam muito.
Porque nos olham como exemplo, a nós agentes de um setor que dá mais que falar sempre que discute em público, importa, e cada vez mais num tempo de julgamentos acelerados sem conhecimento de causa, estabelecer linhas vermelhas aos ataques de caráter e ao vilipêndio de um percurso pautado pela exigência e pelos valores morais.
Em cada uma das muitas ações e projetos pensados e desenvolvidos em conjunto, e aos quais se juntaram sempre mais parceiros e artistas, orgulho-me de saber reconhecer na direção do Teatro Municipal do Porto um comprometimento com a verdade, mesmo que implique escolher, ter de firmar posições ou contrariar algumas expectativas. Mas também sei, porque são muitos anos e muitos os exemplos, que Tiago Guedes nunca se furtou às responsabilidades da escuta, da mediação e do interesse superior da liberdade de criação.
Se não puder fazer mais nada, posso dizer isto, porque o devo: existirão poucas formas de honrar a liberdade de criação como aquela que é exemplificada, diariamente, desde há cinco anos por Tiago Guedes à frente do Teatro Municipal do Porto. E disso também se faz uma cidade.