Sindicato dos magistrados vai exigir à PGR revogação de directiva lesiva da autonomia
O parecer do Conselho Consultivo, cuja doutrina Lucília Gago determinou que seja “seguida e sustentada pelo MP”, prevê que a hierarquia do MP pode intervir nos processos-crime, “modificando ou revogando decisões anteriores”.
O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público vai exigir, por abaixo-assinado e mobilização da classe, que a Procuradora-geral da República (PGR) revogue a directiva que reforça os poderes dos superiores hierárquicos, revelou esta quinta-feira o seu presidente.
Em declarações aos jornalistas no final da apresentação do estudo da autoria de Luís Fábrica sobre autonomia no Ministério Público (MP), António Ventinhas prometeu uma “grande mobilização” dos magistrados para exigir que a PGR, Lucília Gago, revogue a directiva do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, a qual foi transformada em doutrina a ser seguida pelo MP.
Segundo António Ventinhas, se Lucília Gago “não arrepiar caminho” e continuar na senda desta directiva, promovendo um “poder absoluto, sem controlo, secreto e oculto”, haverá a “curto prazo” um “divórcio completo” entre a PGR e os magistrados do MP. O dirigente sindical considerou que, a manter-se, a situação não será gerível, pois os magistrados “repudiam claramente esta directiva”.
O parecer do Conselho Consultivo, cuja doutrina Lucília Gago determinou que seja “seguida e sustentada pelo MP”, prevê que a hierarquia do MP pode intervir nos processos-crime, “modificando ou revogando decisões anteriores”. Segundo o parecer, nos processos-crime a intervenção da hierarquia e o exercício dos poderes de direcção do MP não se circunscrevem ao que está previsto no Código de Processo Penal, “compreendendo ainda o poder de direcção através da emissão de directivas, ordens e instruções, gerais ou concretas”.
Face a este diferendo no seio do MP, o presidente do SMMP considerou que a PGR “irá depender dela própria” para ter condições para “continuar ou não” a dirigir o MP, pois se continuar “com o caminho como até aqui, com este tipo de directivas, existirá um divórcio completo entre a PGR e os magistrados do MP” e será “muito difícil gerir uma organização em plena revolta”.
Caso Lucília Gago insista neste directiva e “nesta senda”, isso causará uma “grande revolta” e “uma falta de empatia para com quem dirige” o MP, advertiu, acrescentando que tal situação “será extremamente gravosa e implicará dificuldades no exercício das funções” da PGR.
António Ventinhas realçou que vários elementos da própria hierarquia do MP estão contra esta directiva, sendo exemplo disso a intervenção do ex-vice-Procurador-geral da República, Adriano Cunha. Também a ex-PGR Joana Marques Vidal esteve presente na apresentação do estudo, mas escusou-se a tecer comentários sobre o momento que se vive no MP.
A ex-eurodeputada Ana Gomes e o bastonário da Ordem dos Advogados, Menezes Leitão, estiveram igualmente presentes, bem como a presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Dulce Neto.
Por seu turno, Luís Fábrica, autor do estudo divulgado esta quinta-feira e que contraria muitas das conclusões da nova doutrina do MP apoiada por Lucília Gago, explicou que a ideia fundamental a extrair do Estatuto é a de que se deve “preservar a autonomia [dos procuradores] e reservar a intervenção hierárquica para aspectos que não são tão importantes como a própria autonomia”.
Luís Fábrica disse aos jornalistas não acreditar que, perante a nova directiva, os procuradores do MP se deixem transformar em “marionetes” da hierarquia. A propósito realçou que estes possuem direitos e um estatuto funcional que lhes permitem “recusar ordens ilegais”.
O parecer do Conselho Consultivo e o estudo de Luís Fábrica surgem num momento de controvérsia no seio do MP sobre o conflito entre autonomia dos procuradores e poderes da hierarquia do MP, tendo um dos casos concretos resultado da investigação ao furto e recuperação das armas de Tancos quando os procuradores titulares do inquérito quiseram inquirir o primeiro-ministro e o Presidente da República, diligência essa que foi inviabilizada pelo director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), Albano Pinto.