Sánchez quer negociações com a Generalitat catalã já este mês
O primeiro-ministro espanhol disse que é tempo de os dois lados reconhecerem o outro e compreenderem as suas razões para se ultrapassar o impasse político nas relações entre Madrid e Barcelona.
O presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez, em visita a Barcelona, propôs ao chefe da Generalitat catalã, Quim Torra, que diálogo político, para “abrir o caminho para negociações sobre o futuro da Catalunha”, comece ainda este mês.
“Precisamos de recomeçar, de regressar ao diálogo onde os caminhos se separaram. O diálogo deve começar com o reconhecimento do outro, para que se percebam as razões do outro”, disse em conferência de imprensa Sánchez, depois de se reunir durante uma hora e meia com Torra no Palácio da Generalitat, em Barcelona. Mas, sublinhou, o cumprimento da lei é uma condição fundamental para que as negociações comecem e cheguem a bom porto. Ou seja, a independência é inegociável e a amnistia para os políticos condenados pelo processo independentista uma impossibilidade inconstitucional.
Horas antes, o Governo catalão tinha reivindicado o início das negociações para desbloquear o impasse que se agravou com o referendo de 1 de Outubro de 2017 e com a condenação a pena de prisão (dos nove até, no máximo, 13 anos) dos nove líderes catalães por sedição, desvio de dinheiros públicos e desobediência. No entanto, Torra não deu sinais de abdicar do exercício à autodeterminação, ou seja, um referendo negociado, e a amnistia dos políticos catalães condenados, e essa era uma das preocupações do Palácio de Moncloa, diz o El País.
“Preciso de saber sob que condições vamos negociar o exercício do direito à autodeterminação e amnistia, que é a base da tarefa que temos”, disse Torra. “Se não houver condições e garantias que acreditemos necessárias para o processo negocial, vou-me encontrar com os partidos independentistas para explicar esta situação: vamos dialogar sem garantias”.
Sánchez diz estar empenhado em romper o bloqueio e quer que as negociações de diálogo sejam ancoradas numa “agenda para o reencontro”, baseada em cinco pilares: diálogo político e a regeneração institucional, o financiamento autonómico e a melhoria da cooperação, a política social e o apoio aos serviços públicos, melhoramento das infra-estruturas e apoio a catástrofes naturais, de acordo com um documento oficial a que o El País teve acesso.
Um dos pontos mais importantes do documento diz respeito à vontade de Moncloa em evitar a judicialização da política, ou seja, a de tentar resolver divergências políticas através da Justiça. Porém, a tónica está no “evitar”, dando margem de manobra ao executivo espanhol se a linha vermelha que estabeleceu for ultrapassada: a violação da lei pelo independentismo com outro referendo ou actos de desobediência, como aquele que levou o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha Tribunal a condenar Torra: recusa de retirada de símbolos separatistas de edifícios públicos durante a campanha para as legislativas espanholas de 28 de Abril.
“O Governo de Espanha e a Generalitat da Catalunha começarão o diálogo no mês de Fevereiro com a reunião constitutiva da mesa de diálogo, negociação e acordo que tem como objectivo encontrar soluções políticas que reflictam os interesses de uma ampla maioria de catalães”, lê-se no primeiro ponto do documento.
As negociações serão levadas a cabo por representantes do PSOE, ERC, Podemos e Juntos pela Catalunha sem a presença de Sánchez ou de Torra, diz o El País. Porém, a primeira reunião, como acto simbólico, será dirigida por os dois líderes, apesar de ser um braço-de-ferro entre os dois líderes - Torra quer que ele e Sánchez estejam em todas, Sánchez diz que apenas estará na primeira.
Um mês depois de ter tomado posse, Sánchez iniciou os contactos necessários com os independentistas para acabar com o bloqueio e esta quarta e quinta-feira estará na Catalunha, onde se vai encontrar com a presidente da Câmara de Barcelona, Ada Colau, associações patronais e laborais e da sociedade civil em geral.
"Prioridade absoluta"
O chefe do Governo espanhol não tem muita escolha para além de estender a mão, com linhas vermelhas, aos independentistas. O futuro da coligação governamental entre o PSOE e o Unidas Podemos depende do sucesso das negociações. A abstenção dos 13 deputados da Esquerda Republicana da Catalunha foi fundamental para que Sánchez fosse investido como chefe de Governo na primeira semana de Janeiro e, agora, é preciso aprovar um Orçamento. E, para, isso, a ERC tem de voltar a abster-se, dependendo a viabilidade do executivo da sua posição neutral.
E todo o discurso de Sánchez e do líder do Unidas Podemos, Pablo Iglesias, é o de que este executivo é “progressista” para romper com o bloqueio, cuja responsabilidade, dizem, vem dos tempos dos governos de Mariano Rajo, do Partido Popular. “A Espanha não vai romper com a Constituição. Vamos é romper com o bloqueio”, disse Sánchez no debate de investidura, referindo que a Catalunha será uma “prioridade absoluta”.
Meses de tensão e desconfianças são difíceis de ultrapassar e cada passo, por mais pequeno que seja, será visto como um sucesso, disseram fontes do Governo espanhol, PSOE e ERC ao El País. E uma primeira reunião, mesmo que seja superficial, será esse sucesso: mostrará vontade em consolidar a decisão de Janeiro.
Os 13 deputados da ERC são um trunfo para uma parte dos independentistas e as suas abstenções no orçamento podem ser esgrimidas nas negociações para se conseguir uma maior autonomia catalã do poder central de Madrid, ao invés da independência, e até a amnistia dos líderes catalães condenados no âmbito do referendo de 1 de Outubro de 2017. Não obstante, Sánchez recusa este último ponto argumentando ser inconstitucional.
No entanto, há cada vez mais sinais de o campo independentista estar desunido. E Torra, eleito deputado pelo Juntos pela Catalunha, está no centro dessa união ao entrar em choque com o presidente do parlamento, Roger Torrent, da ERC, por a Junta Eleitoral Central ordenar a destituição do chefe de Governo e confirmada pelo Supremo Tribunal. Torrent não apoiou Torra, como este lhe pediu, ao desobedecer aos dois órgãos do Estado espanhol e a confiança política estilhaçou-se.
“O Governo não pode funcionar sem unidade e partilha de estratégia e lealdade entre os seus parceiros. Desprotegeu-se a instituição da presidência, despindo-a da sua condição de deputado. E isso põe em risco, de forma permanente, o governo da Catalunha”, disse Torra, que liderada um governo de coligação entre a ERC e o Juntos pela Catalunha.
Em reacção, Torra anunciou no final de Janeiro eleições antecipadas na Catalunha, realizadas só depois da aprovação do orçamento do Estado espanhol. “A legislatura deixa de ter caminho a percorrer se não mantém a união”, disse o chefe de governo na semana passada, aquando do anúncio das eleições antecipadas.
A desunião no seio do campo independentista enfraquece-o e dá margem de manobra a Sánchez e, sabendo-o, várias forças políticas (Juntos pela Catalunha, ERC, En Comú Podem e CUP) aprovaram, por maioria, no parlamento catalão o envio ao Supremo Tribunal de um pedido de recurso sobre a destituição de Torra.