Como vamos conseguir travar este novo coronavírus?
A contagem crescente de vítimas mortais e pessoas infectadas acelerou substancialmente nas últimas horas. Fora da China foram já detectados 56 casos mas ainda não houve nenhuma morte nesses 14 países.
Na madrugada de terça-feira, contavam-se 80 vítimas mortais e três mil casos de infecção com o novo coronavírus (2019-nCoV). Poucas horas depois, já de manhã, as notícias confirmavam que as mortes já ultrapassavam uma centena e que havia 4600 casos, com pessoas infectadas dentro e fora da China, o epicentro da emergência de saúde pública. E enquanto isso muita gente questionava: onde é que isto vai parar?
A verdade é que, apesar dos muitos palpites, previsões e estimativas, ninguém sabe como e quando vai ser possível travar a epidemia de coronavírus que começou em Dezembro na cidade de Wuhan, na província de Hubei, na China. Ontem, após uma reunião com o governo chinês, o director-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, garantia que “travar a disseminação deste vírus na China e a nível global é a prioridade da OMS”. Apesar disso, a OMS já se reuniu por duas vezes e ainda não decretou a “emergência global de saúde pública”. No comunicado, assegurava-se ainda que a China e os especialistas da OMS vão continuar a colaborar com esse objectivo comum e a partilhar informações, elogiando a transparência da China em todo este processo nomeadamente com a divulgação do genoma do vírus, no início deste mês.
As celebrações do novo ano lunar chinês foram canceladas, as férias foram prolongadas sem data para o regresso dos alunos às aulas, é obrigatório o uso de máscara, os transportes de e para a cidade de Wuhan, com 11 milhões de habitantes, foram suspensos. Pelo menos 17 cidades chinesas estão de quarentena, uma medida que afecta cerca de 50 milhões de pessoas. Os transportes em todo o país estão condicionados. Estes são apenas alguns dos muitos exemplos que se pode dar das medidas actualmente em vigor na China.
A União Europeia activou o Mecanismo Europeu de Protecção Civil a pedido de França, e vai enviar dois aviões a Wuhan para repatriar 250 franceses e outros 100 cidadãos europeus que o solicitem, “independentemente da nacionalidade”. Há duas dezenas de portugueses que permanecem na cidade chinesa. Na Alemanha foi confirmado o primeiro caso na noite de segunda e esta terça-feira à noite surgiu a confirmação oficial de mais três pessoas infectadas. Outros países, como Estados Unidos e Japão também estão a preparar com as autoridades chinesas a retirada dos seus cidadãos de Wuhan.
O número de mortes e o aumento de cerca de 60% dos infectados com mais três mil novos casos entre segunda e terça-feira está a assustar o mundo. É importante quebrar a cadeia de transmissão e isso faz-se com a adopção de medidas de saúde pública. Mas será algures entre o pânico e a indiferença que estará a melhor resposta possível neste momento.
A nossa vantagem…
Ao contrário de outros surtos e de outros coronavírus que circularam antes pelo mundo, este problema de saúde pública parece partir para o terreno com uma diferença importante. É que, desta vez, a comunidade científica está, mais do que nunca, a trabalhar em conjunto com os profissionais de saúde para rapidamente reagir ao problema. Além disso, espera-se que episódios como a síndrome respiratória aguda grave (conhecida como SARS) em 2003 ou a MERS em 2012 não sirvam apenas para deixar a memória do número de vítimas mas também para aprender com os sustos do passado e lucrar com o conhecimento entretanto adquirido.
Num vídeo divulgado esta semana pela OMS, a epidemiologista Maria Van Kerkhove, que dirige o grupo de trabalho de doenças infecciosas com origem nos animais, lembrou precisamente que há linhas de investigação em curso que começaram após o problema da SARS e do MERS que podem ajudar agora a travar este novo coronavírus. Há, por exemplo, um ensaio clínico que começou recentemente na Arábia Saudita que pretende testar um novo tratamento e que pode ser útil para o coronavírus que está agora a preocupar as autoridades de saúde de todo o mundo, apontou a mesma responsável.
Maria Van Kerkhove também sublinhou que foi precisamente o sistema de vigilância em vigor na China desde a SARS que levou à identificação no mês de Dezembro de um novo coronavírus que estava a infectar as pessoas. E, desta vez, a partilha de informação foi rápida. Nos primeiros dias de Janeiro, as autoridades de saúde chinesas divulgaram publicamente a sequência genética do vírus e a comunidade científica começou a trabalhar em cima desses dados. Actualmente, já há várias amostras que foram sequenciadas, num trabalho que é decisivo para um rápido diagnóstico e para perceber como o vírus está a alastrar. A colaboração a nível científico e na área da saúde pública tem sido significativa e pode vir a revelar-se o principal inimigo deste coronavírus.
…e a vantagem do vírus
Este é um novo vírus – e essa será a sua principal vantagem – sobre o qual ainda há obviamente mais perguntas do que respostas. No vídeo, que está publicado nas redes sociais da OMS, Maria Van Kerkhove responde a algumas dúvidas de cidadãos preocupados. A epidemiologista sublinhou, por exemplo, que neste momento a taxa de mortalidade está nos 4% acrescentando que é preciso ter em conta que “nem toda a gente vai ter sintomas graves e morrer”. Este coronavírus, adiantou ainda, manifesta-se com uma gravidade variável, desde sintomas ligeiros semelhantes a uma gripe ou constipação até sintomas mais graves como a pneumonia. O período de incubação varia entre dois e 12 dias e a especialista da OMS admite que “é possível” que pessoas infectadas e assintomáticas possam transmitir o vírus. Já a possibilidade de ser infectado em contacto com uma encomenda que venha da China (uma das dúvidas que têm sido colocadas à OMS) não existe, assegura a especialista.
Sobre a possibilidade de o vírus estar a adquirir mutações, Maria Van Kerkhove apenas referiu que há muitos cientistas atentos a essa possibilidade mas até agora ainda não surgiram provas disso. É preciso ter cuidado com a desinformação e de nada servem também as teorias da conspiração que parecem estar a espalhar-se mais rapidamente do que o vírus. Os dados sobre o 2019-nCoV são actualizados diariamente, hora a hora.
“Há muita coisa sobre o 2019-nCoV que ainda não percebemos”, admitiu nesta terça-feira o director-geral da OMS, confirmando que a “fonte do surto e o seu alcance” no território ainda são desconhecidos. Apesar disso, os dados mostram que na maioria dos casos a doença manifesta-se através de sintomas ligeiros e apenas 20% com sintomas graves. As pessoas que até agora foram atingidas com maior gravidade são adultos com outras doenças crónicas associadas (como aliás, acontece nos casos da gripe sazonal). Isto não quer dizer que não há razões para nos preocuparmos. “Tanto a OMS quanto a China observaram que o número de casos relatados, incluindo aqueles fora da China, é profundamente preocupante. Uma melhor compreensão da transmissão e gravidade deste vírus é urgente e necessária para orientar medidas de resposta apropriadas noutros países”, refere o comunicado divulgado ontem pela OMS.
Ainda não é possível saber como e quando vamos travar este problema de saúde pública mas temos que, pelo menos, arranjar uma forma de evitar o “se”. Sem histerismo ou complacência, é preciso ter um plano para enfrentar esta ameaça se todas as medidas de contenção falharem.