Huawei: Johnson arrisca guerra diplomática com Trump em semana de “Brexit”
Presidente dos EUA insistiu nos riscos do acesso da empresa chinesa à rede 5G no Reino Unido, mas Londres deve anunciar parceria na terça-feira. Negociações para acordo comercial e cooperação dos serviços secretos podem sair prejudicados.
Boris Johnson está muito próximo de ratificar a sua mais importante conquista política, mas a semana em que o Reino Unido vai finalmente oficializar a saída da União Europeia – agendada para sexta-feira, dia 31 –, pode ser ensombrada por um possível conflito diplomático com os Estados Unidos, o suposto grande aliado comercial no pós-divórcio com Bruxelas. Em causa está o anúncio iminente de um acordo entre o Governo britânico e a Huawei, para permitir o acesso do gigante tecnológico chinês à rede 5G do país.
O primeiro-ministro conservador deve confirmar a parceria na próxima terça-feira, ignorando, com esse gesto, os alertas que a Administração Trump e o próprio Presidente dos EUA fizeram, nos últimos dias, sobre as ameaças desse acordo para a segurança interna do país e para a vitalidade das relações transatlânticas.
Numa derradeira ofensiva diplomática, Donald Trump telefonou pessoalmente a Boris Johnson na sexta-feira, para lhe dar conta desses mesmos riscos, recordando-lhe as relações próximas entre a Huawei e o Governo de Xi Jinping – e, particularmente, os serviços de informação do Estado chinês –, que, dessa forma, pode permitir o acesso privilegiado de Pequim a uma rede de infra-estruturas importantes no Reino Unido.
A edição deste domingo do Sunday Times dá conta que o Presidente norte-americano insistiu que os dois países devem trabalhar em conjunto para conceber uma alternativa à empresa chinesa – solução que o Governo britânico entende ser demasiado morosa – e comunicou a Johnson que, se este não arrepiar caminho, estará a lançar as bases para uma guerra diplomática entre aliados históricos.
“Dar luz verde ao acordo [com a Huawei] será uma grave ameaça para a segurança nacional”, advertiu Trump, citado pelo semanário britânico.
Em Downing Street argumenta-se, no entanto, que os chineses serão “excluídos de locais sensíveis”, como o Parlamento de Westminster ou as bases navais de Portsmouth, Faslane ou Devonport, e que, no quadro da cooperação que já existe, há 15 anos, com a Huawei, cabe ao Conselho Nacional de Segurança britânico identificar, avaliar e antecipar eventuais ameaças.
Para além de o caso ter potencial para atrapalhar as celebrações do “Brexit”, tem também o condão de poder beliscar a narrativa que está a ser promovida pelo Governo de Johnson, sobre o país que, com a saída da UE, alcança, finalmente, uma posição de força para seguir uma política económica e diplomática independente. Dois obstáculos que não interessam nada a um Reino Unido enfraquecido por um longo e cansativo processo de divórcio com os 27.
Mais inquietante, porém, é a possibilidade de um eventual braço-de-ferro entre os dois líderes vir a prejudicar tanto a posição de princípio de Washington nas negociações com Londres sobre um novo acordo de livre comércio, como a cooperação entre os serviços secretos dos dois países.
A Administração Trump chegou a ameaçar com a exclusão do Reino Unido do “Five Eyes” – o mecanismo de cooperação e de troca de informações entre EUA, Reino Unido, Austrália, Canadá e Nova Zelândia –, mas um funcionário do Governo britânico disse ao Sunday Times que os serviços secretos norte-americanos lhes garantiram que essa hipótese não está em cima da mesa.
O caso é, no entanto, distinto, no que toca às negociações entre Washington e Londres para uma nova parceria comercial, caso Johnson e os empresários da Huawei apertem as mãos na próxima terça-feira.
“O apetite para um acordo comercial EUA-Reino Unido pode diminuir se o Reino Unido tomar a decisão errada sobre a Huwaei”, alertou um alto funcionário da Casa Branca, em declarações ao Wall Street Journal.
Na mesma linha, o secretário do Tesouro dos EUA, Steven Mnuchin, colocou o acordo pós-“Brexit” no centro da polémica, prometendo “dedicar inúmeros recursos” norte-americanos à nova parceria económica, ainda este ano, se Londres abdicar de permitir o acesso da Huawei às suas infra-estruturas “cruciais”.
Washington tenciona fazer um esforço final para impedir a aliança com os chineses, através da presença do seu chefe da Diplomacia, Mike Pompeo, em território britânico, no início desta semana.
Para além disso, conta com a ajuda de alguns elementos do próprio Conselho de Ministros de Boris Johnson, que prometem desafiar a decisão do primeiro-ministro e forçá-lo a reconsiderar. Em declarações ao Times, um dos ministros previu mesmo que o caso da empresa chinesa terá o mesmo impacto mediático da epidemia do coronavírus que tem abalado a China e colocado o mundo em alerta: “A Huawei será o vírus chinês da próxima semana”.