O segurança que defende que a poesia deve poder ser lida por todos

Porque há quem prefira continuar a virar páginas e tocar no papel, apesar das tecnologias digitais de acessibilidade, Hélder Teixeira lançou uma publicação de poesia em braille, já com quatro edições. No Boletim da Pauta, os poemas levantam-se das folhas.

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Hélder Teixeira, 31 anos, criou o Boletim da Pauta, uma publicação de poesia para pessoas com deficiência visual. Paulo Pimenta

Hélder transcreve poemas como quem borda. Ponto a ponto, não com linha e agulha, mas com um punção de aço e uma pauta de plástico com 29 linhas, os versos levantam-se das folhas e ficam mais próximos de poderem ser lidos por todos.

O Boletim da Pauta é impresso com fonte tamanho 14 e, depois, o editor escreve os versos a braille por cima. “É mais uma forma de ler poesia”, apresenta-o, simplesmente, Hélder Teixeira, de 31 anos. Há um ano, o segurança entrou numa loja especialista em soluções de acessibilidade e saiu com a base da publicação quadrimestral para pessoas com deficiência visual — e para outras que nunca tiveram acesso ao contacto com o sistema baseado em seis pontos em alto-relevo — que teve a sua quarta edição em Janeiro.

“Por mais que haja novas tecnologias [com sistema de voz, por exemplo], não há nada que substitua o tacto, o virar da página” sem intermediários, disseram-lhe. Ele, leitor tardio, agora ávido, já o sabia. Em conversa com Silvina Marques, a única poeta cega que já figurou na revista, Hélder percebeu que há associações a fazerem a transcrição de materiais de leitura ou de estudo a pedido, mas que escasseiam os “materiais não solicitados”. “O que diferencia este projecto é ser feito à mão, ter uma periodicidade e ser feito sem ninguém pedir”, considera. 

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Segredo, um poema de Maria Teresa Horta, transcrito para grafia braille por Hélder Teixeira. Paulo Pimenta

Acaba de lançar a quarta edição. São, para já, 30 exemplares com poemas de João Rasteiro, Teresa Finisterra, Taynnã de C. Santos, Sílvia Mota Lopes, Raquel Santos, Renato Filipe Cardoso, Vítor Teves e Leonora Rosado. Pediu-lhes, como faz sempre, “poemas curtos”, uma vez que com o tamanho padrão da pauta, “uma página em tinta equivale a três em braille”, calcula. O Boletim da Pauta está à venda online e na Livraria Poetria, nas Galerias Lumiére, no Porto, por cinco euros, valor que Hélder volta a investir nas edições seguintes.

“Foi uma descoberta”, resume. Não se deixou ficar pela conversa de elevador sobre os pontos em relevo que surgem por cima dos números dos andares e aprendeu braille. “Lê-o visualmente e não com o tacto”, tal como a Acapo – Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal diz acontecer na maior parte dos casos das pessoas que vêem. Apesar de todas as edições contarem com ilustrações de crianças e jovens com deficiência, ainda não consegue fazer os desenhos ganhar relevo, tal como as notas biográficas dos autores e a ficha técnica da revista. “Não é 100% inclusiva, como eu gostaria que fosse”, observa. Tudo o resto transcreve nos tempos livres, ao ritmo mais ou menos pautado de um exemplar por hora.

“Somos muito mais do que a farda que vestimos para trabalhar”, acredita Hélder que trabalha como segurança há 14 anos. “E, por vezes, desvalorizam-nos. Este projecto surge também de uma procura de satisfação pessoal, de perceber que eu valho muito mais do que vestir uma farda e fazer o meu trabalho durante oito horas e depois voltar para casa”, diz, minutos antes de começar mais um turno. “É o meu contributo para a inclusão e para a poesia.”

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Hélder Teixeira, 31 anos, criou o Boletim da Pauta, uma publicação de poesia para pessoas com deficiência visual. Paulo Pimenta
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