Justiça angolana admite investigar Manuel Vicente depois do fim da imunidade
“Vamos esperar que os cinco anos decorram para daí podermos tirar ilações se a justiça [angolana] está, ou não, a mando do senhor Manuel Vicente e em que termos”, diz o procurador-geral da República de Angola.
O procurador-geral da República de Angola Hélder Pitta Grós admitiu esta sexta-feira que a investigação criminal ao ex-vice-presidente Manuel Vicente não avança enquanto o suspeito tiver direito a imunidade, cinco anos após o fim do seu mandato.
Em entrevista à Lusa, Hélder Pitta Grós comentou o processo de corrupção que envolve Manuel Vicente e que foi enviado pela justiça portuguesa para Luanda, ao abrigo do acordo de cooperação judiciária entre os dois países.
“Tanto o ex-vice-presidente como o ex-presidente estão protegidos por uma lei que concede cinco anos em que não poderão responder pelos actos praticados e, portanto, vamos esperar que os cinco anos decorram para daí podermos tirar ilações se a justiça [angolana] está, ou não, a mando do senhor Manuel Vicente e em que termos”, disse Hélder Pitta Grós.
O procurador-geral reagiu, assim, às acusações de que Luanda está a actuar apenas contra a filha de José Eduardo dos Santos.
Após os cinco anos, acrescentou, “tudo é possível”. Mas até lá “as investigações podem decorrer normalmente e serem extraídas cópias de tudo o que tiver a ser feito para que não atrapalhe ou crie obstáculos ao funcionamento normal da investigação”, afirmou.
O “irritante"
O antigo vice-presidente de Angola Manuel Vicente é apontado como uma personagem central da política angolana, tendo sido vice-presidente de José Eduardo dos Santos e um dos poucos que transitaram do ciclo mais próximo do antigo Presidente para o actual, junto de quem ocupa o influente cargo de conselheiro para o sector da energia.
Manuel Vicente foi a base do “irritante” que dificultou as relações diplomáticas entre Portugal e Angola em 2018, e que só terminou quando o Ministério Público português enviou, em Maio desse ano, a investigação para Luanda, da qual não se conhecem mais avanços, além da condenação pela Justiça portuguesa, em Dezembro, do procurador Orlando Figueira a seis anos e oito meses de prisão efectiva.
O processo Operação Fizz engloba alegados pagamentos feitos pelo então antigo presidente da Sonangol, Manuel Vicente, a um procurador do Ministério Público português, no valor de 760 mil euros e ainda uma oferta de emprego como assessor jurídico no Banco Privado Atlântico, em troca do arquivamento de inquéritos, nomeadamente a compra de um edifício de luxo no Estoril por 3,8 milhões de euros.
Depois do envio da parte do processo que envolvia Manuel Vicente para Angola, as relações políticas entre os dois países melhoraram consideravelmente, incluindo visitas presidenciais recíprocas.
Justiça angolana é selectiva?
Na entrevista em Portugal, após um encontro com a procuradora-geral da República portuguesa por causa da investigação à empresária Isabel dos Santos, Hélder Pitta Grós também rejeitou que a justiça angolana seja “selectiva” e que só vise a família do ex-presidente (o filho mais velho, José Filomeno dos Santos, já esteve detido ao abrigo de uma investigação a uma transferência de 500 milhões de dólares, 450 milhões de euros, por parte do Fundo Soberano, de que era administrador).
A justiça em Angola é “selectiva porque só vai agir contra aqueles que cometeram actos ilícitos penais”, mas “actua sobre todos”, disse o procurador-geral, dando o exemplo de outros políticos condenados no passado recente.
"Não estou em defesa do general Dino"
Um dos parceiros preferenciais de negócio de Isabel dos Santos é o general Leopoldino ["Dino"] do Nascimento, do círculo próximo do ex-presidente, mas Hélder Pitta Grós defendeu que os casos foram diferentes. “Não estou em defesa do general Dino, mas ele nunca ocupou um cargo de gestão do erário, daí não ser tão fácil chegar-lhe”, referiu.
No entanto, o general e empresário na área das telecomunicações (parceiro da Isabel dos Santos na operadora móvel Unitel) “fez a devolução do valor que estava em dívida para com a Sonangol e, chamado, cumpriu com a obrigação que havia e fez a devolução do valor correspondente”, revelou Pitta Grós.
Leopoldino Fragoso do Nascimento, conhecido como “Dino”, foi o antigo responsável pelas telecomunicações presidenciais entre 1995 e 2010, tendo sido também ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança durante o reinado de José Eduardo dos Santos.
“Dino” fez parte do chamado triunvirato que gravitava à volta da família de José Eduardo dos Santos, juntamente com o general Hélder Vieira Dias Júnior ("Kopelipa") e o ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente.
Entre as principais participações empresariais conhecidas estão o Banco Económico, que resultou da falência do Banco Espírito Santo Angola, o grupo de comunicação social português Newshold, e a participação de 15% na Puma Energy.
No final do ano passado, a Polícia Judiciária portuguesa terá interceptado uma transferência de 10 milhões de euros da conta de “Dino” no Millenium BCP a caminho da Rússia, acreditando-se que o destinatário era Isabel dos Santos, o que o general desmente.