No dia das vítimas de Auschwitz, o Irão “anti-semita” esteve no banco dos réus
Cerimónia dos 75 anos da libertação de Auschwitz marcada pelos discursos de Israel e dos Estados Unidos contra Teerão. Presidente da Rússia também aproveitou para fazer uma referência indirecta à Polónia.
Nas vésperas dos 75 anos da libertação do campo de concentração nazi de Auschwitz, palco do extermínio de mais de um milhão de pessoas na II Guerra Mundial, a maioria judeus, dezenas de líderes políticos de todo o mundo reuniram-se em Israel, esta quinta-feira, para “recordar o Holocausto e combater o anti-semitismo”. Mas a ocasião foi também aproveitada pela Rússia e pelos Estados Unidos para recordarem algumas das suas prioridades políticas, com referências indirectas à Polónia, e outras mais directas ao Irão, a marcarem os discursos oficiais.
A cerimónia foi dividida entre uma noite com um jantar de gala para 250 convidados na residência oficial do Presidente de Israel, Reuven Rivlin, e um dia de homenagens e discursos no centro de memória do Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém. E ficou marcada por acusações de aproveitamento político, lançadas, por motivos distintos, pela Polónia e por sobreviventes de Auschwitz, que se queixaram de terem sido relegados para segundo plano (em 800 lugares, 30 foram atribuídos a sobreviventes).
O Presidente polaco, Adrzej Duda, foi convidado a assistir à cerimónia ao lado das delegações de outros 48 países, mas decidiu não viajar para Israel quando soube que não poderia discursar no mesmo palco onde o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, tinha lugar garantido, como líder de uma das nações que derrotaram a Alemanha nazi.
Nos últimos tempos, a Rússia tem insistido em acusar a Polónia de cumplicidade com os nazis no início da Segunda Guerra Mundial.
O tema é particularmente sensível para o Partido Lei e Justiça, no poder na Polónia, onde a acusação de cumplicidade da nação polaca com os crimes nazis chegou a ser punível com um máximo de três anos de prisão (já não é crime, mas pode ser alvo de queixa nos tribunais cíveis).
Por isso, quando Vladimir Putin subiu ao palco para recordar os milhões de russos que morreram a lutar contra o nazismo, e para dizer que o mundo tem “uma responsabilidade partilhada com o passado e com o futuro”, a referência indirecta à Polónia não apanhou ninguém de surpresa.
“Choramos todas as vítimas dos nazis, incluindo seis milhões de judeus. Estes campos de morte foram operados não apenas pelos nazis, mas também pelos seus capangas em vários países.”
"Mancha negra na história"
Antes de Putin, já o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, tinha acertado contas com o presente, neste caso com o Irão – um dos aliados da Rússia no apoio ao regime sírio de Bashar al-Assad.
“Israel agradece ao Presidente [dos Estados Unidos] Trump e ao vice-presidente Mike Pence por confrontarem os tiranos de Teerão que ameaçam a estabilidade do Médio Oriente e de todo o mundo. Peço a todos os governos que façam esforços para enfrentarem o Irão”, disse Netanyahu, que descreveu as autoridades de Teerão como “o regime mais anti-semita do planeta”.
Num dia em que se recordou a libertação de Auschwitz pelas tropas russas, mas também os esforços de guerra dos Aliados para derrotarem o nazismo, o primeiro-ministro israelita lançou também um aviso aos inimigos de Israel na região.
“O povo judeu aprendeu a lição do Holocausto: não podemos aceitar as ameaças de aniquilação de ânimo leve; temos de enfrentar ameaças quando elas são pequenas; e, acima de tudo, e apesar de agradecermos imenso a ajuda dos nossos amigos, temos de nos defender sozinhos”, disse Netanyahu.
Pouco depois, o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, retomou as acusações contra o Irão, num discurso em que citou Donald Trump para definir o Holocausto nazi: “É uma mancha negra na história humana.”
“No mesmo espírito, temos também de nos mantermos fortes contra o principal transmissor do anti-semitismo”, disse Pence. “Contra o único Governo no mundo que nega o Holocausto e que apela à eliminação de Israel do mapa. O mundo tem de se manter forte contra a República Islâmica do Irão.”
Alemanha e o ódio do presente
Emmanuel Macron e o príncipe Carlos centraram mais os seus discursos no ressurgimento do anti-semitismo na Europa, no dia em que as autoridades alemãs anunciaram a proibição do grupo neonazi Combat 18, originário do Reino Unido, onde ainda mantém uma pequena presença.
“O ódio e a intolerância ainda espreitam no coração humano, dizem novas mentiras e procuram novas vítimas”, disse o príncipe britânico. “Sabendo, como nós sabemos, a escuridão que crenças como essas podem trazer, não podemos descansar na tarefa de criar respeito e compreensão.”
“Isto não é apenas uma parte da história que pode ser lida a partir de vários pontos de vista”, disse o Presidente francês. “Não, há verdade e há história com provas. Não deixemos que nos confundam.”
Também convidado para discursar, o Presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, deixou talvez a mensagem mais inquietante da cerimónia, ao centrar o seu discurso na Alemanha de hoje. “Quem me dera poder dizer que os alemães aprenderam com a história. Mas não posso dizer isso quando o ódio se está a espalhar. E não posso dizer isso quando crianças judias são cuspidas nas escolas”, disse Steinmeier.