Arquivo Municipal de Lisboa: contra a incapacidade de ouvir

Edifício novo? Não. Edifício único e dedicado? Não. Por outras palavras, os papéis não interessam; a história da cidade e do país também não são suficientemente importantes; as condições em que os trabalhadores executam as suas tarefas são secundárias; o serviço público não é considerado.

O destino do segundo maior e mais importante arquivo nacional está nas mãos dos trabalhadores, não pode depender da teimosia da hierarquia camarária. A solidariedade pública tem um papel e responsabilidade decisivas.

A luta dos trabalhadores do Arquivo Municipal de Lisboa (AML) merece a atenção pública porque é uma luta justa, que não se deixou enredar noutros fins que não os profissionais. Na última Assembleia Municipal (21 Jan 2020), o assunto Arquivo Municipal de Lisboa era o prato de substância. Depois de apresentado o resultado da petição por duas trabalhadoras do AML, petição subscrita por mais de 1000 peticionários e na qual se reclamavam coisas tão necessariamente óbvias como instalações novas e condignas ou a reunião num edifício único e dedicado de todas as valências que compõem o Arquivo, seguiu-se a apresentação do Relatório da Comissão directamente implicada (a 7.ª Comissão).

Este Relatório obteve o voto favorável de todas as forças representadas no sentido de apoiar o conteúdo da petição e, portanto, a luta dos trabalhadores. Mais, Simonetta Luz Afonso, personalidade muito conhecida no meio das bibliotecas, arquivos e museus, presidente da 7.ª Comissão e cujas responsabilidades ficam assim acrescidas de forma muito substantiva, não se calou e pediu a palavra para fazer um apelo directo à vereadora da Cultura (logo, à estrutura autárquica) para que a Petição e a vontade dos trabalhadores fossem ouvidas e aceites. Não se pense que a Assembleia Municipal se ficou por aqui.

Nas intervenções subsequentes da responsabilidade de cada partido, e alguns independentes, o Relatório da 7.ª Comissão voltou a receber apoio unânime. Se tivesse acontecido a seguir um momento de magnanimidade, de grandeza, sensibilidade e inteligência, isso reflectiria a expectativa instalada na sala. É então que a vereadora da Cultura pede a palavra e, pasme-se, para reconhecer a posição dos trabalhadores, o significado da Petição mas para deixar claro que ela quer, pode e manda.

Edifício novo? Não. Edifício único e dedicado? Não. Por outras palavras, os papéis não interessam; a história da cidade e do país também não são suficientemente importantes; as condições em que os trabalhadores executam as suas tarefas são secundárias; o serviço público não é considerado. Uma resposta assim representa puro autismo mas também ignorância na matéria e autoritarismo. Uma incapacidade completa para o diálogo. A vereadora da Cultura afronta os trabalhadores, o público anónimo ou especialista que apoia a Petição, sabedores do que se discute.

Como se este momento triste não chegasse, ainda houve tempo para assistir à intervenção exaltada do vice-presidente da CML. Não cabe a um dirigente escudar-se na sua posição hierárquica para tal desatino, ainda por cima quando essa posição resulta de uma eleição. O que é isto?! Felizmente, a Assembleia Municipal é aberta, proporcionando aos munícipes a possibilidade de testemunhar ao vivo e a cores situações destas, seja a interpretação original do que a democracia é, seja a exaltação e arrogância quase em estado puro, veículo para juntar à discussão coisas estranhas à discussão, disparatadas. Ou seja, vereadora e vice-presidente a representarem com nota máxima o seu papel de muro.

O apelo que aqui se deixa aos trabalhadores é que não desistam, têm a razão do seu lado; aos peticionários, que se mantenham atentos e fiéis ao destino do papel que subscreveram; aos demais profissionais de arquivos (e bibliotecas e museus), que não permitam que as suas áreas de expertise sejam invadidas e direccionadas à revelia do que aconselham as normas internacionais, o bom senso, a sensibilidade, o conhecimento teórico e aquele resultante da prática longamente acumulada.

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