BCE reavalia estratégia com “uma mente aberta”

Até ao final do ano, o BCE poderá apresentar-se com uma nova cara: uma nova meta para a inflação, instrumentos redefinidos e um papel mais intrusivo em questões como o ambiente são algumas das possibilidades.

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Reuters/RALPH ORLOWSKI

Será através de “análises profundas” e sempre com uma “mente aberta” que o Banco Central Europeu (BCE) irá reavaliar a sua estratégia, abrindo a porta a alterações no objectivo de inflação, nos instrumentos usados na análise e condução da política monetária e na forma como pode também intrometer-se noutras áreas, como o combate ao aquecimento global.

Christine Lagarde anunciou, no final da reunião de governadores desta quinta-feira, o lançamento de um processo de revisão estratégica no banco central que se pretende seja finalizado no final deste ano e a presidente do BCE fez questão – numa tentativa de não fechar a porta a qualquer tipo de sugestão – de não dar indicações concretas sobre o rumo que gostaria de ver a ser tomado. Nem em relação ao prazo do processo Lagarde se quis comprometer: a ideia é ter um novo BCE no final do ano, mas, na verdade, disse, o processo de revisão “apenas estará terminado quando estiver terminado”.

Por agora, o que foi divulgado foi apenas o conjunto de características do BCE que irão ser alvo de análise. Em primeiro lugar, irá ser revista a “formulação quantitativa da estabilidade de preços”, isto é, mantendo como seu mandato único a estabilidade de preços na zona euro, de que forma é que o banco central a define exactamente.

Neste momento, a definição é de uma inflação a médio prazo “abaixo mas próxima de 2%”. E tudo aponta para que a maioria dos membros do conselho de governadores pretendam um objectivo mais simétrico, que torne claro que o BCE está disposto a contrariar tanto uma inflação abaixo de 2% como acima. O objectivo pode passar a ser simplesmente de 2%.

No entanto, espera-se que os representantes de países como a Alemanha ou a Holanda, sempre mais preocupados com uma eventual subida da inflação dêem luta e contraponham com outras propostas: por exemplo o estabelecimento de um intervalo ou mesmo um objectivo de inflação mais baixo.

A própria forma como a inflação é medida – sendo alvo de críticas por não levar suficientemente em conta os preços da habitação poderá ser avaliada. “Não iremos deixar nenhuma pedra por virar e como medimos a inflação é claramente algo para o qual precisamos de olhar”, afirmou Christine Lagarde na conferência de imprensa desta quinta-feira.

O BCE diz também que irá reavaliar “a eficácia e os efeitos colaterais potenciais dos instrumentos de política monetária desenvolvidos durante a última década”. Aqui, o que estará em causa são medidas como as taxas de juro negativas, os programas de compras de activos (nomeadamente dívida pública) e os empréstimos a prazos mais longos dados aos bancos que o banco central, pela mão de Mário Draghi, usou para combater a crise do euro.

Mais uma vez, irá certamente registar-se uma luta entre os governadores apoiantes de Draghi (até agora maioritários) e o grupo liderado pela Alemanha que sempre considerou que a compra de dívida pública ia além do mandato do BCE e que estão preocupados com o efeito sobre os aforradores e sobre os bancos das taxas de juro negativas.

O comunicado do BCE diz depois que a revisão estratégica “irá também levar em conta como outras considerações, como a estabilidade financeira, o emprego e a sustentabilidade ambiental, podem ser relevantes no cumprimento do mandato do BCE”. No caso da estabilidade financeira, embora isso não esteja previsto no modelo actual de funcionamento do banco central, a prática tem revelado que é um factor considerado na definição da política monetária. Tem sido evidente a preocupação do BCE em evitar crises bancárias nos diversos países da zona euro.

Já a consideração do emprego – não fazendo parte do mandato do BCE, ao contrário do que acontece com a Reserva Federal norte-americana – é neste momento um indicador apenas considerado para aferir de que forma pode influenciar a evolução dos preços. Um papel mais importante aproximará o BCE daquilo que é feito pela Fed.

Já no caso da sustentabilidade ambiental, aquilo que estará em causa será essencialmente a possibilidade de o BCE, quando realiza compras de obrigações empresariais, beneficiar as empresas amigas do ambiente. “Iremos ver as opções que temos para sermos mais intrusivos e activos, vamos olhar para isso, ver que papel podemos desempenhar, mas dentro do nosso mandato”, afirmou Lagarde.

Enquanto faz esta revisão da sua estratégia, o BCE irá manter as suas actuais características. E, pelo menos por agora, não irá fazer grandes alterações à sua política monetária. Com a inflação ainda bem abaixo do objectivo e as taxas de juro historicamente baixas, as compras mensais de 20 mil milhões de euros de activos serão para manter durante mais algum tempo.

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