ONU pede investigação sobre pirataria de telemóvel de Jeff Bezos por príncipe saudita

Relatores das Nações Unidas dizem que Mohammed Bin Salman acedeu a informações pessoais do multimilionário para tentar influenciar cobertura do Washington Post sobre a Arábia Saudita.

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De acordo com a investigação, foi o próprio Mohammed Bin Salman quem enviou um ficheiro malicioso a Jeff Bezos Bandar Algaloud/Corte Real Saudita/REUTERS

Dois peritos das Nações Unidas pedem que seja aberta uma investigação oficial sobre as suspeitas de que o telemóvel do criador da Amazon e proprietário do jornal norte-americano The Washington Post, Jeff Bezos, foi pirateado pelo príncipe herdeiro saudita, Mohammed Bin Salman. Governo de Riad diz que acusações são “absurdas”.

Agnès Callamard e David Kaye, dois especialistas da ONU, assinam uma carta conjunta em que relacionam o ataque sofrido por Bezos com “um esforço para influenciar, se não silenciar, a cobertura do Washington Post [que é propriedade de Bezos desde 2013] sobre a Arábia Saudita”. Os especialistas dizem ter tido acesso a uma análise forense realizada ao telemóvel de Bezos que conclui com um grau “médio a elevado” de confiança que o aparelho foi pirateado “através do envio de um ficheiro de vídeo a partir de uma conta de WhatsApp utilizada pessoalmente por Mohammed Bin Salman”.

O caso tinha sido revelado esta semana pelo jornal britânico The Guardian, que expôs os contornos do ataque ao telemóvel do multimilionário norte-americano. Foi durante uma conversa pelo WhatsApp, em 2018, entre Bezos e o herdeiro do trono saudita enviou um ficheiro malicioso que deu início a uma transferência maciça de dados contidos no telemóvel do dono do Washington Post.

O próprio Bezos tinha pedido uma investigação particular para tentar apurar a fonte de uma fuga de ficheiros do seu telemóvel depois de ter sido chantageado pelo National Inquirer, um tablóide norte-americano. O jornal dizia ter na sua posse fotografias íntimas do empresário com a ex-apresentadora de televisão, Lauren Sanchez. O caso levou ao divórcio de Bezos.

Os investigadores contratados pelo multimilionário já tinham concluído que os responsáveis pelo acesso ilícito ao telemóvel de Bezos eram sauditas.

Dizem os relatores da ONU que, após o episódio do envio do programa de acesso indevido, MBS enviou mensagens a Bezos em que revelava pormenores íntimos da vida do empresário. Nos meses seguintes, Bezos tornou-se igualmente num alvo privilegiado de ataques nas redes sociais na Arábia Saudita, em que era apresentado como um “adversário” do regime.

“Padrão de vigilância”

Os dois peritos das Nações Unidas ligam o ataque informático contra Bezos à cobertura feita pelo Washington Post da Arábia Saudita e integram-no num “padrão de vigilância direccionada a adversários e a indivíduos de importância estratégica para as autoridades sauditas”. Na altura em que o telemóvel do empresário foi pirateado, o jornalista Jamal Khashoggi era colunista do Post, onde assinava textos críticos do regime do qual MBS é herdeiro.

Khashoggi acabaria por ser executado no consulado saudita em Istambul a mando das autoridades de Riad – algo que MBS sempre negou. O relatório da ONU que traz estas conclusões foi liderado por Callamard, que é especialista em investigações a execuções extrajudiciais, e investigou o assassínio deKhashogii no consulado saudita em Istambul, na Turquia, em Outubro de 2018. David Kaye é relator para casos relacionados com a liberdade de expressão.

“Numa altura em que se supunha que a Arábia Saudita estava a investigar a morte de Khashoggi, e a julgar aqueles que entendeu serem responsáveis, estava a levar a cabo clandestinamente uma campanha online maciça contra Bezos e a Amazon, visando-o principalmente como proprietário do Washington Post”, afirmam os relatores da ONU.

Callamard e Kaye pedem ainda a abertura de “uma investigação imediata pelos EUA e outras autoridades relevantes” sobre o caso de Bezos, bem como “sobre o envolvimento contínuo, de vários anos, directo e pessoal do príncipe herdeiro em esforços para atingir adversários”. Os dois peritos lembram as acusações recentes contra ex-funcionários do Twitter de terem acedido a informações confidenciais de utilizadores da rede social críticos do regime saudita a mando de Riad.

A embaixada saudita em Washington considerou “absurdas” as suspeitas contra MBS. “Pedimos uma investigação a estas alegações para que todos os factos possam ser conhecidos”, acrescentou a embaixada, numa publicação no Twitter.

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