Prendas de mais de 150 euros aos deputados serão divulgadas na Internet, mas sem se saber razão da oferta

Comissão da Transparência aprovou as regras para o Parlamento lidar com as ofertas aos deputados.

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LUSA/ANTÓNIO COTRIM

A Comissão da Transparência aprovou nesta terça-feira as regras para a Assembleia da República (AR) lidar com as ofertas de bens e hospitalidade feitas aos deputados, decidindo que as prendas de valor estimado superior a 150 euros devem ficar registadas na página do Parlamento e dos deputados na Internet, mas sem a indicação da “circunstância” em que essa oferta foi feita.

Assim, será possível ficar a saber as prendas de valor superior a 150 euros que cada deputado recebeu (ou o pacote de prendas do mesmo ofertante que ultrapasse 150 euros), quem ofereceu, quando o fez, a data em que o parlamentar as apresentou ou entregou na Assembleia da República e o destino que esta decidiu dar-lhe, mas não a razão da oferta — se foi por mera cortesia (imagine-se, por exemplo, uma peça de cristal pelo aniversário de um deputado), ou pela intervenção num processo legislativo (imagine-se um cachimbo de madeira rara porque o deputado apresentou um diploma sobre o tabaco).

O PAN apresentou uma proposta de alteração ao texto inicial construído pelo socialista Pedro Delgado Alves para incluir uma lista de informações que deveriam ser consideradas no registo público das prendas que foi aprovada, mas acabou por ser amputado o critério das “circunstâncias” da oferta pela mão do PS e do PSD. 

André Silva bem insistiu (sem sucesso) que é preciso saber o “contexto em que a oferta é feita”, porque pode vir de uma entidade que tenha um “processo legislativo do seu interesse em curso”. O deputado argumentou com a necessidade de transparência do processo legislativo e citou o código de conduta dos deputados, que determina que estes se abstêm de aceitar ofertas de pessoas, empresas ou instituições de “quaisquer tipos de bens ou serviços que possam condicionar a independência no exercício do seu mandato” — e fixa que pode existir esse condicionamento quando se trata de uma oferta de valor superior a 150 euros.

O PSD alegou que explicar as razões da prenda seria alimentar o princípio da “desconfiança” em relação ao deputado, o PS chegou a dizer que isso feria a “dignidade” dos deputados. E a proposta ficou pelo caminho com o voto do PS e PSD. Só o Bloco votou ao lado do PAN pelo registo dessas circunstâncias — o PCP e o CDS faltaram à reunião.

Quatro propostas recusadas

Pelo caminho ficaram outras quatro propostas de André Silva: nenhum partido concordou com a ideia de os deputados poderem pagar ao Parlamento para poderem ficar com as prendas de valor superior a 150 euros (pagariam o remanescente até ao preço real) nem com a existência de uma lista pré-definida de entidades para as quais as prendas podem ser encaminhadas. E apenas o Bloco concordava com a proposta do PAN de proibir que a oferta fosse encaminhada para instituições cujos corpos sociais incluam familiares do deputado que originalmente a recebeu.

O PAN também propunha que os deputados pudessem apresentar (para efeitos de registo público) ou entregar ao Parlamento as prendas de valor inferior a 150 euros. Mas a ideia foi chumbada pelo voto contra do PS e a abstenção do Bloco. O PSD votou a favor do PAN. Os socialistas argumentaram que essa regra (a par da proposta de especificar a razão da oferta) iria contribuir para a demagogia e o populismo, ao incentivar uma espécie de “concurso para saber quem é o deputado mais transparente possível”.

Assim, os deputados passam a ter um prazo de 30 dias para apresentar à secretaria-geral da Assembleia da República qualquer prenda com valor estimado superior a 150 euros, e esta decide o destino a dar-lhe — se a integra no património da AR, se a devolve ao deputado ou a remete a outra entidade pública (por exemplo, um museu) ou sem fins lucrativos. Mesmo que tenha um valor superior a 150 euros, uma oferta pode ser devolvida ao deputado case se trate de uma prenda simbólica ou comemorativa, seja uma publicação (um livro) ou se trate de produto perecível.

No final da reunião, Pedro Delgado Alves congratulava-se com as novas regras, por não criarem um “excesso de regulamentação”, mas garantirem transparência e exigirem a intervenção dos serviços da Assembleia. Que também terão uma palavra a dizer no caso da oferta de viagens, por exemplo, que precisam de autorização dos serviços ou do presidente do Parlamento. “As cautelas estão todas tomadas para assegurar uma clara separação de águas entre o que é permitido, o que é a esfera de protecção do interesse público e as circunstâncias em que, reconhecidamente, uma visita institucional pode gerar o aparecimento de uma oferta que deve ser tratada adequadamente”, vincou.

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