Isabel dos Santos, uma herança da bancarrota
Isabel dos Santos foi uma espécie de diva dos negócios lusos porque tinha dinheiro num país à beira da insolvência. Foi útil nesse tempo de privação. Reinou entre a desolação do PEC IV e da troika com a mesma naturalidade com que estatais chinesas ou importadores venezuelanos reinaram entre nós.
O país viveu as últimas horas algures entre o espanto e a indignação por ter dado conta que os negócios suspeitos de Isabel dos Santos chegaram com estrondo à imprensa internacional. No essencial, todos sabíamos que havia uma cortina espessa a cobrir a origem da fortuna da empresária. Todos suspeitávamos que a criação de tanta riqueza resultava de um regime cleptocrático.
Há muito que se falava sobre a total ausência de uma discussão ética sobre os seus enormes investimentos na economia portuguesa. O confisco das participações da empresária em Angola, decidida pelos tribunais por suspeita de corrupção, tornaram essas dúvidas e suspeitas em quase certezas.
As investigações jornalísticas reveladas por estes dias transformam o seu império económico num paraíso de dinheiro sujo supostamente obtido através da mais abjecta forma de corrupção: a que extrai riqueza de um país paupérrimo em favor de uma clique de privilegiados.
Este avanço quase esperado obriga a que Portugal reflicta agora sobre a facilidade com que Isabel dos Santos prosperou entre nós. Logo no princípio da sua ofensiva em Portugal era já possível suspeitar que a sua fortuna se associava a privilégios políticos.
Não se podia provar qualquer ilegalidade, mas não era difícil adivinhar que a origem do seu capital violava critérios de transparência que se exigem em países democráticos onde impera o estado de direito. Isabel dos Santos aproveitou essa condescendência para comprar, vender e reforçar o seu poder e estatuto.
Talvez o pudesse fazer na mesma escala no Reino Unido ou na Alemanha. Mas dificilmente o faria com tão pouco escrutínio – só o governador do Banco de Portugal questionou a sua idoneidade para impedir a sua nomeação no Eurobic.
Isabel dos Santos foi uma espécie de diva dos negócios lusos porque tinha dinheiro num país à beira da insolvência. Foi útil nesse tempo de privação. Reinou entre a desolação do PEC IV e da troika com a mesma naturalidade com que estatais chinesas ou importadores venezuelanos reinaram entre nós.
Se é compreensível que tantos empresários lhe tenham aberto as portas, (porque de facto as suspeitas de patrocínio político tinham palco em Luanda e porque entre nós nada indicava, como nada indica, práticas suspeitas de ilegalidade) é porque nesses dias de chumbo até quem tinha kwanzas era rei.
Essa é a grande lição a tirar desta história de final incerto: a fragilidade financeira do país abriu portas a todos os pesadelos. Prova-se uma vez que um país pobre jamais pode ser exigente.