A Avenida da Sé (Ponte) – 1915-2020
Será que ainda hoje (!) é mais fácil associar renovação urbana a grandes e rasgadas avenidas e acelerado movimento ou à criação de locais com escala humana e vida urbana lenta, calma na quietude perdida?
O que fazer do morro norte da Sé é uma questão urbanística - não é uma questão arquitectónica.
A insistência com que paulatinamente ressurgem nos jornais e outros meios de comunicação questões relacionadas com as ideias urbanísticas para o infeliz Morro da Sé no Porto, designadamente para o enorme “pedaço” de cidade que foi esventrado e demolido na primeira metade do séc. passado (a chamada Avenida da Ponte) diz bem da convicção que os diferentes protagonistas que intervêm mais ou menos directamente nesta matéria (autores e decisores) têm desta problemática.
A grande esperança nos “futuros que cantam” que existia na cidade nos fins do séc. XIX e início de XX que acompanha a construção e entrada em funcionamento da Ponte Luís I, é provavelmente uma das razões que fez vencer as resistências e esquecer as possíveis malfeitorias inerentes à demolição de parte da histórica encosta norte do morro da Sé.
As “grandes ideias” faziam esquecer o bom senso e, no repente de alguns poucos anos, o valor de um tecido urbano que tinha séculos de lenta construção foi arrasado glorificando a inovação da “grande avenida” e dos grandes movimentos.
Na altura este espírito vingou, mas será que ainda hoje (!) é mais fácil associar renovação urbana a grandes e rasgadas avenidas e acelerado movimento ou à criação de locais com escala humana e vida urbana lenta, calma na quietude perdida?
Acresce que a grande inclinação da Avenida da Ponte torna-a penosa e pouco agradável para o peão, além de poluidora para veículos, esquecendo o túnel de vento acelerado que aí se sente, por estar orientada norte/sul e ser um alargamento entre dois estrangulamentos... Além disso nem é avenida nem alameda nem nada… É um troço minúsculo de rua sem escala, sem princípio nem fim!
Não foi por acaso que este imbróglio urbanístico foi tema de múltiplos estudos de arquitectos/urbanistas portugueses e estrangeiros de renome, que durante muitos anos (aprox. de 1915 a 1970) tiveram como tema - manter ou até reforçar a avenida ou, pelo contrário, desmaterializá-la em pequenos e sucessivos espaços.
Um dos últimos e mais auspicioso foi a proposta para aquele importante sítio de Fernando Távora, enquanto arquitecto colaborador da CMP. Na verdade, apesar de a manter, desvalorizava a avenida e, nesse trabalho de rasgo, materializava um conjunto de plataformas, pequenas escadas e recintos de agradável estabilidade, com bancos e vegetação, transformando a subida de S. Bento até à Sé num passeio agradável e variado.
Nessa altura seria impensável pôr em causa a existência da Avenida de ligação à ponte e a sul, e por isso a atitude de Fernando Távora, centrando o fulcro da proposta na transformação do instável “corredor urbano” num conjunto de espaços estáveis, transfigurando aquele sítio no oposto a uma mera, desconfortável e poluente via mecânica.
A questão de base era (e continua a ser) a qualidade do espaço urbano. Era uma questão urbanística e não uma questão arquitectónica: - deveria valorizar-se a manutenção de um instável corredor ou deveria ser criada outra natureza de espaços – jardins, praças, plataformas graduais, numa escala mais próxima do antigo tecido urbano que, não era por acaso que se constituía em múltiplos espaços de pequenos e articulados largos (por exemplo o formoso Largo do Corpo da Guarda), ruas e ruelas que concretizavam um todo e ininterrupto percurso urbano desde S. Bento até ao Largo da Sé. A diferença de cotas assim o materializou com a maior naturalidade possível.
Hoje, sem atravessamento rodoviário (na ponte, como é sabido, o Metro tomou conta da circulação à cota alta) tem sentido manter aquele espaço tão desagradável e definitivamente desconfortável?
Na presidência da CMP de Nuno Cardoso e na sequência do movimento de renovação da Porto 2001 - faz agora quase vinte anos - existiu uma proposta (mais uma…) que não chegou a ser devidamente discutida nem corretamente avaliada pela cidade (ver figs. 4 e 5).
As imagens não valem pela forma nem pelo pormenor; valem pelo princípio aí definido. Podem ter aquela forma ou outra qualquer (...).