Podem os professores ensinar qualquer disciplina?

Se em Inglaterra qualquer professor pode leccionar qualquer disciplina, bastando para tal ter um canudo, tal implica uma redução do nível de exigência e uma deterioração óbvia da qualidade de ensino.

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PAULO PIMENTA

O princípio é simples e presente em todas as escolas do sistema de ensino inglês: o professor está habilitado para ensinar e, ao estar habilitado para ensinar, ensina. E ao ensinar, ensina qualquer disciplina. É assim desde o dia em que aqui cheguei, a 5 de Setembro de 2007. Já era assim. Vai continuar a ser.

Ao que parece, e de acordo com notícias recentes, em Portugal o Governo decidiu importar esta medida. Pelas mesmas razões: a falta de professores, seja por doença, mobilidade ou reforma. E são muitos a reformarem-se. Mais de metade dos professores em Portugal nos próximos 10 anos. Por isso preparem-se.

Aliás, já nos tinham dado as notícias de modo esfuziante no Natal: 20 anos depois, 20 anos depois do desemprego e do chuto nas traseiras de quem vos escreve e nas traseiras de mais outros tantos milhares de professores, não servem para nada, só sabem ensinar (assim nos disseram), Portugal precisa de professores e já podemos voltar. Por 1200 euros por mês? A 500 quilómetros de casa? Sem fotocópias, aquecimento, com violência quanto baste, num sistema de ensino onde autistas profundos têm forçosamente de atingir os mesmos resultados do aluno médio? E ainda por cima a ter de leccionar Educação Física (por exemplo)? Mas se eu sou de ciências? Não, obrigado.

E não, ainda não chegámos a este ponto. Mas para lá caminhamos. Este foi só o primeiro passo e não esperem pela demora. Nada é temporário. É temporário este ano. E no final do ano, quando os jornais já não estiverem a falar disto e toda a gente estiver de férias, zás, passa a permanente. E o professor que aguente!

O princípio em si, para quem precisa de trabalho lá fora como de pão para a boca, é desafiante. Ao mesmo tempo, é uma oportunidade de aprender mais, mais sobre outras áreas, outras disciplinas, outros métodos. Serviu-me para aprender a fazer de tudo um pouco e rapidamente subir na hierarquia das escolas até onde estou hoje. Mas isto é lá fora. E não, não gostaria de voltar atrás, por nada deste mundo, aos dias em que tinha de ensinar desde Desporto a Matemática, passando por Religião e Moral, Geografia, Ciências (ufa, que alívio), espanhol, alemão, informática, eu sei lá, de escola em escola a fazer substituições dia-a-dia, todos os dias numa escola nova, muitas vezes sem que o professor me deixasse nada de nada, sem nunca saber ao que ia.

Resultado: acabava a ser cão pastor, de roda dos miúdos a fazer tudo por tudo para que os mesmos não saltassem da sala pelas portas e janelas.

Se em Inglaterra qualquer professor pode leccionar qualquer disciplina, bastando para tal ter um canudo, tal implica uma redução do nível de exigência e uma deterioração óbvia da qualidade de ensino. Se tens de ensinar uma infinidade de conteúdos, não é possível saber de tudo e de todos ao mesmo tempo e tens mesmo de simplificar o ensino. É óbvio.

Assim, através da desculpa da falta de professores, o Governo dá mais uma machadada na escola pública, já de si moribunda e depauperada. Aos poucos e poucos, perdemos o maior legado de Abril: a educação. E sem educação, meus caros, não há liberdade.
 

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