Começo este texto com uma declaração de interesses: o sonho não é devidamente valorizado.
Nos últimos anos, o sonho tem sido absorvido pela crença, pelo acreditar. Apesar de não muito distantes, estas duas realidades têm funções diferentes e acontecem por razões díspares. Já não se fala em sonhos. Se prestarmos atenção, ouvimos governantes a afirmar que acreditam ser possível isto e aquilo, mas nunca que têm o sonho de ver determinada coisa concretizada. O sonho é subvalorizado, talvez porque lhe seja atribuída uma conotação romântica ou bucólica, ou porque o assumimos como um elemento distante do mundo real.
Olhamos para o sonho como quem olha para as estrelas: num primeiro momento achamo-las distantes, inalcançáveis e inexplicáveis, mas depois percebemos que não. As estrelas estão ali, algures no universo, são reais, ou seja, o sol há muito que deixou de ser uma luz inexplicável para se tornar em algo concreto, que conhecemos e estudamos. Com o sonho, a realidade não é diferente, pode parecer que, por momentos, aquilo que sonhamos é uma abstracção do mundo material, uma idealização mágica de algo que não nos é possível alcançar. No entanto, esta descrição é mais justa ser feita à crença do que ao sonho, porque nunca vamos conseguir tocar na crença, racionalizá-la ou materializá-la.
Foi a partir do sonho que a humanidade foi traçando o seu caminho, desafiando probabilidades e obstáculos que só foram possíveis transpor porque sonhámos com o que poderíamos encontrar do outro lado, não nos tendo sobrado outra opção que não a de dar o salto em frente. No entanto, não somos muito encorajados a sonhar, não aprendemos desde novos que o sonho é a condição essencial à vida, mas somos ensinados desde o berço a abraçar a crença como o remédio para os nossos males. Na minha opinião, o sonho implica mudança.
Álvaro Cunhal, referia-se ao sonho como “a primeira manifestação de uma vontade de transformação social”, na senda de um sonho relativo à sociedade. Ora, se o sonho é o ponto de partida para a transformação da vida, não nos podemos dar ao luxo de deixar de sonhar.
Já aqui escrevi sobre o direito que temos ao tempo, mas não será menos importante dizer que temos o direito ao sonho. Não apenas ao sonho de algo possível, mas também do impossível, sonhar com o improvável, desafiando a ordem do mundo e das coisas. O sonho é a vida a estrebuchar dentro de nós, com a vontade de irromper pelo mundo e transformá-lo. Todos nós temos sonhos, o segredo deve estar na força com que os sentimos e a vontade que temos de os concretizar. Mas a vida não é coisa simples, os sonhos são condicionados pelas condições em que viemos, pelo nosso meio, a própria vida condiciona o sonho.
É impossível termos todos os mesmos sonhos, devido às diferentes condições em que o fazemos. Há quem sonhe a partir do alto e há quem sonhe alto. O que importa é que sonhemos sempre como sonhávamos enquanto crianças e que nunca sejamos tentados a relativizá-los, porque os sonhos importam. Os sonhos são uma espécie de realismo mágico que nos transportam para onde realmente gostávamos de estar.
Não devia ser um tabu isto do sonho, até porque não consta que alguém tivesse passado uma vida inteira sem sonhar.