John Baldessari, o artista conceptual que não queria ser maçador
Humor, ironia e desconstrução são características que estão na obra de John Baldessari desde muito cedo. Mostrou como a arte conceptual também pode ser divertida. Para o curador Delfim Sardo, “é um dos maiores artistas da segunda metade do século XX”.
Contra a excessiva importância do trabalho manual na arte, insurgiu-se Jonh Baldessari nos anos 70, organizando o funeral da pintura que realizara durante mais de uma década. Ele, que tinha tido um início de carreira como artista semi-abstracto, numa cena artística norte-americana dominada pelo expressionismo abstracto, tornou-se sinónimo de arte conceptual na segunda metade do século XX.
É pelas várias peripécias em volta de The Cremation Project, em que Baldessari queimou todas as pinturas que fez entre 1953 e 1966, que começam os obituários do The New York Times e Los Angeles Times. Os dois jornais norte-americanos citam igualmente a recente participação especial do artista — e da sua voz — num episódio de The Simpsons, uma das mais populares séries de animação da televisão. Exemplo de como a arte conceptual, um dos movimentos mais radicais da arte contemporânea do pós-guerra, tinha feito o seu caminho em direcção ao mainstream e de como John Baldessari se tinha transformado numa celebridade.
Humor, ironia e desconstrução são características que estão na sua obra desde muito cedo. No ano seguinte à cremação da pintura, John Baldessari — provavelmente o mais influente artista conceptual norte-americano, como escreveu o crítico de arte Christopher Knight — filma um vídeo intitulado I Will Not Make More Boring Art (Não Farei Mais Arte Maçadora), de que o Museu de Serralves tem uma cópia, cujo título é todo um manifesto.
Entre as várias obras de Baldessari da colecção do Porto, é também possível encontrar outro filme, Six Colorful Inside Jobs (1977), que mostra um homem a pintar durante seis dias o chão e as paredes de uma divisão, como aqui relatámos em 2011 a propósito de uma exposição colectiva que chegou a Serralves vinda do Whitney Museum of American Art de Nova Iorque. Uma cor para cada dia da semana, interrogava o lugar do gesto que partia da mão, apresentando a pintura como uma actividade mecânica.
Um mar em comum
“A partir do cinema, que é a sua referência principal, John Baldessari fez pontes entre o universo da cultura erudita, porque ele era um indivíduo muito culto e também um grande professor, e o universo da cultura popular”, diz numa conversa com o PÚBLICO Delfim Sardo, que em 2004 comissariou uma exposição do artista no Centro Cultural de Belém (CCB), explicando que este era um coleccionador de fotografias de plateau, feitas durante as filmagens, ou de stills de filmes. “A grande característica que atravessa o trabalho dele é a utilização intensiva de fotografia de cinema.”
A obra que mostrou no CCB e que assinou em conjunto com o artista português Julião Sarmento e o nova-iorquino Lawrence Weiner tinha o mar como elemento comum, a linha do horizonte que une cidades como Los Angeles, Nova Iorque e Lisboa. Intitulada Drift, mostra como muitas das suas referências cinematográficas vêm do cinema burlesco americano, dos filmes de Buster Keaton ou de Charlie Chaplin, mas revela igualmente que o mar é um horizonte comum que passa por diferentes culturas, explica o curador português. Tartes de creme surgem num cenário de praia à espera de acabarem na cara de alguém.
O californiano John Baldessari emprestou outra leveza à arte conceptual, continua Delfim Sardo. Ele tinha aprendido com o cinema essa capacidade de comunicar, o tal humor que está lá desde o início, trazendo outra liberdade criativa à arte conceptual. “É um dos maiores artistas da segunda metade do século XX”, remata Delfim Sardo.
Com uma grande cultura visual, questionou continuamente o lugar da arte, da linguagem e da cultura trazida pelos media, em obras que podiam sobrepor vários meios em simultâneo, mas que, principalmente, interrogaram durante 45 anos o fosso entre a pintura e a câmara, como escreveu Christopher Knight no Los Angeles Times, mostrando como esse território “era um lugar estranho e divertido para estar”.