Depois de ter agredido médico em Moscavide, doente insultou outro clínico no Prior Velho
Após a agressão a um clínico que fazia atendimento complementar em Moscavide, porque este se recusou a renovar-lhe uma baixa, o mesmo doente foi ao Centro de Saúde de Prior Velho, onde está inscrito, e insultou o seu médico de família.
Há mais um relato de agressão a um médico por um doente. Desta vez foi um médico de família, de 66 anos, no atendimento complementar do Centro de Saúde de Moscavide (arredores de Lisboa), que descreveu no Facebook a agressão com “socos" e “pontapés" de que terá sido alvo ao início da tarde de terça-feira, depois de se ter recusado a renovar a baixa a um utente de 21 anos. A PSP confirmou o incidente, especificando que há versões de “agressões mútuas”, e adiantou que já remeteu o caso para o Ministério Público.
É o segundo caso deste tipo em menos de uma semana, depois de sexta-feira uma médica ter sido agredida com violência por uma utente no serviço de urgência do hospital de S. Bernardo (Setúbal) e de ter tido que ser sujeita a uma pequena cirurgia a um olho. O incidente levou a Ordem dos Médicos a manifestar solidariedade para com a profissional e a exigir medidas do Governo e do Ministério Público, tendo o Ministério da Saúde condenado então “todos os actos de violência”.
O mesmo utente que agrediu o clínico em Moscavide dirigiu-se, entretanto, esta quinta-feira ao Centro de Saúde do Prior Velho, onde está inscrito, e tentou obter um atestado junto do seu médico de família, que insultou, mas não chegou a agredir fisicamente. “Foi apenas uma agressão verbal”, disse uma fonte da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo.
As queixas de violência contra profissionais de saúde dispararam nos últimos anos. No primeiro semestre de 2019, as queixas por todo o tipo de violência (desde agressões físicas a verbais, incluindo casos de assédio) enviadas à Direcção-Geral da Saúde atingiram um valor recorde (637 notificações, face às 439 registadas no mesmo período do ano passado).
A agressão desta terça-feira foi descrita pelo médico Vítor Manuel Silva Santos no Facebook com muitos detalhes. Vítor Santos conta que o doente o agrediu com “vários socos e pontapés” depois de se ter recusado a renovar um atestado, segundo adiantou o Jornal de Notícias. “Pretendia que lhe desse uma vacina para a gripe (porque um primo tinha feito a vacina), e lhe passasse uma renovação da baixa, retroactiva a 26/12/2019”, relatou no Facebook. Como percebeu, ao consultar o processo clínico do jovem, que este tinha estado alguns dias antes noutra unidade de saúde, sem ter “aviado os medicamentos" então prescritos, tendo o mesmo acontecido com todas as receitas que lhe tinham sido passadas “em todo o ano de 2018 e 2019”, disse que não lhe iria renovar a baixa.
“Como não acedi ao que desejava, começou por pegar no teclado do computador e atirá-lo contra a secretária, partindo-o”, danificando igualmente o telefone, descreveu. “Com a ajuda da namorada, que me segurava, agrediu-me com vários socos e pontapés, um dos socos dos quais no olho direito e um pontapé na grelha costal”, acrescentou.
O responsável pelas relações públicas do Comando Metropolitano da PSP de Lisboa confirmou ao PÚBLICO o incidente, precisando que se verificou uma “alteração da ordem” com “agressões mútuas”, a crer nas “versões de ambas as partes”, porque o médico não quis passar uma baixa ao utente. O jovem pegou em objectos e “mandou-os para os chão, danificando-os”, e foi o vigilante do centro de saúde que “pôs cobro às agressões”. Entretanto, chegou a polícia que registou o episódio e remeteu o caso para o Ministério Público.
Em causa está um crime de ofensas à integridade física que pode ser agravado. Vítor Santos ainda não apresentou denúncia e, na altura, declinou assistência médica, disse ainda o responsável da PSP.
Sindicatos lamentam
O episódio já deu origem a uma série de reacções. A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) confirmou, em comunicado, a agressão ocorrida a um dos seus médicos no Atendimento Complementar do Centro de Saúde de Moscavide e repudiou “veementemente este e todos os actos de violência perpetrados contra profissionais de saúde”. Sublinhando que qualquer acto de violência é “condenável”, a ARS assegura que vai pugnar para que “a violência nas unidades de saúde não aconteça”.
Desconhecendo ainda este caso específico, o presidente da Federação Nacional dos Médicos, Noel Carrilho, notou ao PÚBLICO que este tipo de episódios se sucedem com frequência. “Os médicos e os enfermeiros estão a dar a cara pelo Serviço Nacional de Saúde [SNS] e também estão na linha da frente para enfrentar a frustração dos doentes”, enfatiza. “A primeira estratégia [para combater este fenómeno] passaria por reforçar o SNS, o que levaria a menos situações destas”, além de ser necessário assumir que “a profissão médica é uma profissão de risco, de penosidade”, considerou, lamentando que a ministra da Saúde ainda não tenha tido “disponibilidade” para ouvir os dirigentes sindicais.
Também o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, Jorge Roque da Cunha, lamentou este novo caso de agressão e apelou à ministra da Saúde para que crie condições de segurança para os profissionais. “A nossa pergunta é muito simples: O que é que a senhora ministra da Saúde está a pensar fazer em relação a esta matéria? Não adiantam declarações vagas como a que teve a semana passada de solidariedade no geral [aquando da agressão à médica em Setúbal]”, disse à Lusa.
“Na segunda-feira passada entregámos à Senhora Procuradora-Geral da República um pedido para intervenção, dado tratar-se de um crime público e também para que a procuradoria possa ter alguma intervenção nesta matéria”, contou, considerando que há um grande sentimento de impunidade. “Tanto quanto é do nosso conhecimento, nenhum dos agressores teve qualquer medida de coação, nem sequer foi presente a um juiz. Por isso, é preciso dizer basta e perguntar ao ministério o que pensa fazer em relação a esta matéria”, acrescentou.
Roque da Cunha referiu que o sindicato tem conhecimento de que há dezenas de agressões verbais e às vezes físicas, que, devido a burocracias, para evitar incómodos, e pela lentidão da justiça, não são divulgadas. E defendeu que é preciso agilizar a queixa e a resposta. “Porque incomodam as idas à polícia, as declarações, a recolha de testemunhas. Para um crime público parece-me fundamental que os poderes públicos ajam, não só o Ministério Público, mas também a Procuradoria-Geral da República”, sustentou.