Nova técnica mostra como o ADN se “desenrola” e acende no grafeno
Trabalho desenvolvido no Laboratório Ibérico de Nanotecnologia, em Braga, torna possível a monitorização da dinâmica molecular do ADN com uma super-resolução.
Entre muitos outros ingredientes e componentes, para avançar com esta experiência é preciso ter um substrato de grafeno (uma camada de grafeno com a espessura de um átomo), duas moléculas de ADN e um microscópio especial, capaz de detectar e medir as características do sinal óptico emitido. Os resultados deste teste, realizado no INL – Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia, em Braga, são apresentados num artigo publicado na revista 2D Materials. São os primeiros passos de uma nova técnica que promete tornar possível a observação e melhor compreensão de alterações no ADN ao nível molecular.
Imagine um minúsculo cabelo enrolado numa fina camada de grafeno. Depois, um outro fio de cabelo idêntico que é aproximado. Quando os dois fios se encontram e se “reconhecem” como idênticos, emparelham-se e o cabelo enrolado estica-se na vertical. Ficam, portanto, os minúsculos cabelos em pé. E se uma ponta está agarrada à camada de grafeno a outra extremidade, que se distanciou do material, emite uma luz.
Na verdade, a experiência traduzida desta forma simplista envolve duas moléculas de ADN e um marcador fluorescente. Com um microscópio especialmente adaptado para este teste, será então possível observar a dinâmica das duas moléculas de ADN.
Ricardo Adão, investigador do INL, explica ao PÚBLICO que os testes desta nova técnica de “super-resolução” realizados até agora foram feitos com moléculas de ADN de uma casta de vinho do Porto. E, ao contrário do que vemos nos biossensores tradicionais que se baseiam num sinal electroquímico, neste caso os cientistas investiram num método de detecção diferente através de um sinal óptico.
Num esforço para traduzir esta nova técnica e a sua possível utilidade prática, Ricardo Adão coloca assumidamente “o carro à frente dos bois”. Assim, num exercício especulativo, dá o exemplo de um teste em que uma pessoa quer saber se tem uma relação de parentesco com outra. No grafeno teríamos assim uma enrolada molécula de ADN da pessoa “alvo”. Colocada a molécula de ADN da pessoa “suspeita”, podemos “ver” (com um microscópio especial) a molécula alvo a desenrolar-se e uma luz no topo. Isto confirmaria a relação de parentesco. Se, pelo contrário, a molécula permanecesse enrolada e não surgisse qualquer sinal óptico ficaria claro que não existia qualquer relação entre as duas pessoas.
Tudo isto acontece a uma escala nano, de tamanho e tempo. Assim, trata-se de um sinal óptico que é visível durante alguns nanossegundos e de uma molécula que se afasta do grafeno em cerca de uma dezena de nanómetros. E que pode atingir um recorde de resolução à distância de apenas um nanómetro.
Mas, esta nova técnica pretende ir além de um resultado binário: ou seja, de um sim ou não, há ou não há relação de parentesco. O plano, segundo Ricardo Adão, é estudar este sinal óptico e as diferentes propriedades da dinâmica molecular ao ponto de esta ser capaz de nos dar dados mais precisos e detalhados. Assim, o tempo de fluorescência, a velocidade a que a molécula se desenrola, a distância entre a emissão do sinal e a ponta que está presa ao grafeno ou a inclinação da molécula, seriam, entre outros, alguns dos parâmetros que podem vir a ter um significado. Cada uma dessas características dará uma informação sobre a molécula. Voltando ao exemplo do parentesco, o facto de a molécula não se desenrolar completamente ou ficar ligeiramente inclinada poderia significar que a relação de parentesco existia, mas não era directa.
Mas esse é o plano para o futuro. Sobre as actuais possibilidades desta nova técnica, o comunicado de imprensa do INL destaca que com esta nova ferramenta é, para já, possível observar uma das interacções mais comuns do ADN: o processo de formação de dupla hélice. “Jana Nieder e Pedro Alpuim, líderes dos grupos de investigação Ultrafast Bio- and Nanophotonics e 2D Materials and Devices, respectivamente, desenvolveram o conceito juntos e decidiram testar a ideia no quadro de um projecto colaborativo entre ambos os grupos.”
Pedro Alpuim, fala numa “resolução sem precedentes na observação de interacções de ADN em ambiente aquoso em tempo real”. No mesmo comunicado, Ricardo Adão, primeiro autor do estudo, destaca que “ao realizar as primeiras experiências no microscópio de fluorescência, foi fascinante ver o feedback imediato após a adição do ADN complementar. De repente, a intensidade de fluorescência aumentou na área sobre o grafeno”. E acrescenta que o passo seguinte foi uma surpresa ainda maior: “A sensibilidade do método atinge um nanómetro (um milhão de vezes mais pequeno que um milímetro), o que demonstra que é possível ver informações relacionadas com as alterações do ADN ao nível molecular.”
E para que é que isto tudo pode servir? Para melhores e mais refinados biossensores, por exemplo, que no limite serão capazes de detectar qualquer mutação numa só molécula. Até ao momento, a nano-sensibilidade obtida neste trabalho foi conseguida em superfícies de grafeno com milhões de moléculas, cujos comportamentos podem diferir do de uma molécula de ADN isolada.
“Um dos objectivos futuros da equipa de investigação do INL é atingir essa sensibilidade sobre um número cada vez menor de moléculas, até que possam ser monitorizadas moléculas individuais”, confirma o comunicado, adiantando que esta ferramenta pode ser útil em vários campos, desde a bioquímica e a engenharia de materiais até à genética e à medicina, passando ainda pela autenticidade e segurança de alimentos. Assim, além do contributo ao nível da investigação básica e fundamental, a nova técnica com super-resolução que permite monitorizar a dinâmica molecular do ADN poderá ainda “abrir caminho a equipamentos inovadores, por exemplo de diagnóstico genético em meio clínico e hospitalar”.