Daesh reagrupa-se no Curdistão iraquiano
O grupo terá 4000 a 5000 combatentes no Iraque e outros milhares em células adormecidas. Combatentes do Daesh são “mais poderosos que os da Al-Qaeda”, diz um dos responsáveis da luta antiterrorista no Curdistão.
Um polícia morreu, dois estão desaparecidos, e outros dois ficaram feridos num ataque a um poço de petróleo em Khabbak, perto de Kirkuk, no Curdistão iraquiano. Segundo o site Iraq Oil Report, o ataque levado a cabo na terça-feira é o mais recente de “uma série de operações cada vez mais frequentes e com sucesso” do grupo na zona do Norte do Iraque.
Dois anos depois de as autoridades iraquianas terem declarado vitória sobre o grupo terrorista islâmico, alguns dos seus combatentes têm-se reagrupado numa zona que não é controlada nem pelas forças curdas nem pelas do Estado iraquiano. Por outro lado, o movimento de protesto no Iraque (e a sua repressão policial) tem levado a um abrandamento das operações contra o Daesh, que tem aproveitado para lançar mais ataques.
Nesta região o grupo está a usar, como esperado, tácticas de guerrilha, disse Rita Katz, directora do SITE Intelligence Group, que supervisiona movimentos extremistas. "Não são grandes ataques, mas são persistentes”, comentou Katz no Twitter.
Lahur Talabany, alto responsável da luta contra o terrorismo no Curdistão, disse à emissora britânica BBC que os combatentes do Daesh são agora “mais poderosos do que os da Al-Qaeda”.
“Têm técnicas melhores, tácticas melhores, e muito mais dinheiro à disposição. Conseguem comprar veículos, armas, comida e equipamento. Têm mais conhecimentos tecnológicos”, enumerou o especialista.
Talabany diz que o Daesh passou os últimos doze meses a reconstruir-se das ruínas do califado, que fora proclamado em 2014 e destruído em 2017 no Iraque (e em Março na Síria). “Estamos a ver agora um aumento de actividades, e acreditamos que a fase de reconstrução [do movimento] já terminou”.
Fontes dos serviços de informação curdos estimam que o Daesh tenha 10 mil elementos no Iraque, dos quais entre 4000 e 5000 serão combatentes e os restantes farão parte de células adormecidas ou são simpatizantes.
É numa faixa de território disputado entre os curdos e o Governo central do Iraque que está a maior concentração (que se saiba) de combatentes do Daesh após a perda da pequena vila síria de Baghouz, que marcou o fim do autoproclamado califado. Há milhares de combatentes nas montanhas Hamrin – tal como no Afeganistão, zonas com muitas possibilidades de esconderijo e difíceis de vigiar ou controlar. Daí podem planear ataques em qualquer sítio. Uma das consequências da perda de território foi o grupo tentar levar a cabo mais ataques internacionais, por exemplo na Europa.
Responsáveis americanos citados pelo Washington Post dizem que o que está a acontecer não é propriamente um ressurgimento, mas sim uma luta pela sobrevivência do Daesh. O comandante das forças norte-americanas William Seely reconhece que “apenas um combatente do Daesh é um combatente a mais”, mas disse que estes estão em esconderijos em caves e no deserto “em condições que ninguém consegue aguentar muito tempo”.
As forças curdas avaliam a ameaça de outro modo. Numa reportagem do Washington Post sobre o Daesh, o comandante curdo Burhan Nouri Hamasayi mostra as suas armas – um monte de espingardas Kalashnikov. Os combatentes do Daesh têm morteiros e armas com infravermelhos para visão nocturna: “Podem matar-nos a todos com facilidade.”
O Daesh também parece estar a ressurgir na Síria, na província de Deir Ezzor, onde rivalidades tribais e étnicas ajudam a que haja apoio aos combatentes. Um trabalhador humanitário contou, sob anonimato, ao diário norte-americano que o grupo mantém leais em várias cidades (onde ele evita passar) e descreveu “um grande esforço” do Daesh para voltar a ter armas.
Em Raqqa, em tempos a “capital” do califado proclamado pelo Daesh, houve um aumento de assassínios no início do ano levados a cabo por uma célula do grupo. Até que em Agosto, um elemento das forças curdas conseguiu infiltrar-se na célula e os seus elementos foram presos. Desde aí não houve mais mortes, mas Heval Sharwan, responsável pela operação contra a célula, explica que como não foi preso nenhum dos “cérebros”, não é possível dizer que Raqqa está segura.
Um dos elementos da célula, actualmente preso, contou ao Washington Post que em Junho, meses depois de ter conseguido escapar da última batalha em nome do Daesh, já a viver em Raqqa, recebeu uma mensagem para se encontrar com um “emir” (comandante) do Daesh. Receberia um salário e instruções para levar a cabo os ataques. Aceitou: estava sem dinheiro e não conseguira arranjar emprego. “E a minha ideologia é a jihad”, disse.
Estes pequenos actos não têm qualquer comparação com as capacidades anteriores do Daesh – que recolhia impostos, geria reservas de petróleo, e garantia serviços públicos, a par com uma repressão enorme e brutalidade com execuções públicas pelo mínimo desrespeito das suas regras. Mas muitos lembram que o movimento surgiu com força e capacidade de juntar território perante a ruína das autoridades do Estado e do Exército, tanto na Síria como no Iraque. “Qualquer deterioração na segurança do Iraque ou da Síria pode ser uma nova oportunidade para os combatentes escondidos ou adormecidos”, diz o Post.