As vergonhas de Ventura
Tal como fiz esta semana no Parlamento, são três “as vergonhas” com as quais volto a confrontar André Ventura.
Há perguntas que precisam mesmo de ser respondidas, sob pena de sermos induzidos à conclusão de que o silêncio é a resposta em si. Regra geral, é assim quando existem consciências pesadas, vulgos esqueletos no armário. Quem foge à resposta espera que a pergunta se perca no tempo, que desapareça do espaço público.
Vem isto a propósito de um conjunto de perguntas que coloquei esta semana ao deputado André Ventura, durante um debate na Assembleia da República. Todas elas confrontavam o parlamentar do Chega com óbvias contradições entre as “vergonhas” que aponta a outros, mas com as quais parece coexistir pacificamente no seio do seu partido e das listas que apresenta a eleições.
Como não obtive resposta, insisto por escrito em nome da transparência que a democracia exige e do rigor que o combate a situações de privilégio injustificado e de corrupção impõe. São três “as vergonhas” com as quais volto a confrontar André Ventura.
Será que sente vergonha por Sousa Lara, porta-voz nacional do Chega para questões de segurança e geopolítica, ter beneficiado durante anos do pagamento de uma subvenção vitalícia? O regime de subvenções vitalícias, nascido na década de 80 por acordo entre o PS e PSD, sempre foi um privilégio inaceitável da elite política portuguesa. O Bloco de Esquerda combateu-o energicamente e, em 2005, conseguimos finalmente acabar com este insulto aos portugueses. Isso cortou o pagamento a Sousa Lara, mas não o direito, porque infelizmente, os direitos adquiridos anteriormente continuam em vigor por decisão de PS e PSD. É por isso que na lista de 300 privilegiados consta o nome de Sousa Lara, o porta-voz do Chega. Vergonha?
No currículo do porta-voz do Chega encontra-se ainda o envolvimento num dos maiores escândalos da década de 90, o “Caso Moderna”, um escândalo de corrupção, gestão danosa e associação criminosa ligado à Universidade Moderna, onde não faltaram as presenças da maçonaria e de Paulo Portas.
O Ministério Público acusou-o inicialmente de quatro crimes de apropriação ilícita, associação criminosa e administração danosa. Sousa Lara acabaria condenado em primeira instância por administração danosa e ilibado em segunda instância, tal como praticamente todos os arguidos. O jornal onde André Ventura é hoje comentador residente comentaria à época que o desfecho do “Caso Moderna” era uma vitória dos poderosos. Vergonha?
Contudo, o que deu dimensão nacional a Sousa Lara (e internacional, diga-se) foi a censura a Saramago. O então subsecretário de Estado da Cultura de Cavaco Silva decidiu vetar a presença de uma conhecida obra do escritor na candidatura portuguesa ao Prémio Literário Europeu. A justificação? “Não representa Portugal.” Poucos anos mais tarde, José Saramago ganharia o Prémio Nobel da Literatura. Uma chapada de luva branca. Hoje, André Ventura rasga as vestes em nome da liberdade expressão, mas escolhe ter ao seu lado um dos mais conhecidos censores portugueses. Vergonha?
E o que dizer de Peixoto Rodrigues? Este sindicalista da polícia, presidente do Sindicato Unificado da PSP, foi aposentado compulsivamente por ter faltado 83 dias seguidos ao serviço sem apresentar justificação. Está ainda constituído arguido num processo de fraude onde terá lesado o Estado em mais de 60 mil euros. Apesar de André Ventura conhecer estas lamentáveis práticas abrigou-o nas suas listas e classificou-o como um dos “rostos da proposta política do partido”. Vergonha?
E o que sentiu André Ventura quando lhe apareceu a Polícia Judiciária à porta para o investigar no âmbito do mega-processo de corrupção autárquica “Tutti Frutti”? A PJ suspeita que André Ventura tenha feito parte de um esquema partidário que criou um saco azul de financiamento ilegal através da contratação de um assessor fantasma para o seu gabinete de vereador na Câmara Municipal de Loures. Vergonha?
Não me tendo respondido à primeira, espero que o faça à segunda. Ou será que não há mesmo duas sem três?